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Verborragias

\\ ENTREVERES

O juízo é substituído pelo medo, a mente entra no modo repeat, a voz do Datena ecoa. É o fim. Nascida e alastrada via oral, como quando repetem sandices, a epidemia, não a céu aberto, espalha-se no confinamento de alguma sala de cinema

Por Matheus Lopes Quirino


Das coisas que acometem quem tem nas palavras o sustento, eis que, atabalhoado de trabalho, no pós-expediente o escriba – essa personagem da vida real que vive sempre dura, durinha – não está livre de parecer um disco riscado, estando ele riscado & arriscado de contar a mesma piada, repetir a velha história, soprar a mesma melodia, ter, pela segunda ou terceira vez, sua grande ideia. E por aí vai, ao menos para começar.

Longe de ser exclusividade de gênios, ter um mundaréu de coisas na cabeça não é tarefa difícil para quem, às tantas do dia, põe-se a dedilhar teclados virtuais em busca de quinquilharias para se ler; também estão nessa lista empoeirada factoides, notícias sensacionalistas, imprensa rosa ou marrom, teorias da conspiração e romances do Nicholas Sparks.

É arrumar coisa para a cabeça, sarna para se coçar. Hoje, formam-se grandes turmas de especialistas em ‘tudo e mais um pouco’ pela internet. Uma multidão de analistas políticos, eruditos musicais, teólogos, não da libertação, mas do cárcere. ‘Bandido bom é bandido morto’, essas ladainhas, etc. Em tempos de Coronavírus, uma multidão aglomera-se no Facebook para discutir e, nas piores intenções, tentar sanar o problema. Nessas terras virtuais, em que a aparente inofensiva aglomeração não prova choque, deveria haver cuidados redobrados, especificamente sem máscara alguma.

Voltando à crônica, mesmo estando sendo 24 horas por dia atormentado pela palavra ‘Coronavírus’, a epidemia não dispensa seus orelhões e bocões. O juízo é substituído pelo medo, a mente entra no modo repeat, a voz do Datena ecoa. É o fim. Nascida e alastrada via oral, como quando repetem sandices, a epidemia, não a céu aberto, espalha-se no confinamento de alguma sala de cinema, ônibus refrigerado ou aglomeração. “O Coronavírus é uma consequência de uma profecia de Nostradamus”. Ouvi esses dias, no repeat de alguma boca, pois, segundo quem dizia, é um sinal do fim dos tempos, punição para os hereges e homossexuais.

Sinais, fortes sinais burrice. Mas antes do fim dos tempos, ao menos para o cronista, relembrava uma história que, constantemente, a coloco de volta à roda. O nervosismo em entrevistar Maria Bethânia, a maior intérprete do Brasil. Conto a história pela oitava vez ao Nathan, ele ri e debocha da caduquice precoce. Começo exatamente com a mesma deixa, todas as vezes “Não conseguiria entrevistar Maria Bethânia, ficaria mais branco, com vontade de chorar” ...

Fim dos tempos, essa tal de caduquice precoce, vem ela pelo humor, como na brincadeira sobre entrevistar Maria Bethânia, mas o frio na espinha continua sendo o mesmo de quando, caído por acaso em alguma aglomeração, escuto um espirro, uma tosse, um pigarro e já imagino pequenos vilões microscópicos adentrando os corpos cavernosos. Relembro as mesmas caducas narrativas, repetidas à esmo, para arfar, durante toda a vida, caio como um pato com gripe aviária.

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