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Subverter o mercado artístico é abrir acessibilidade

Enquanto mediadoras, as integrantes do Magenta se preocupam em fazer esse enlaçamento de saberes, tentando sempre não negligenciar nenhuma das pessoas que acreditam e acompanham o projeto.

Por Lia Petrelli


Divulgação: Ilustração/Coletivo Magenta

Hoje a Antena convidou o Coletivo Magenta para bater um papo sobre a produção, construção de espaços de troca, acolhimento, atenção e afeto dentro do novo mercado artístico que vem surgindo e sendo discutido entre muitos produtores culturais.


Magenta nasce em 2018 de desconfortos partilhados entre Gabriela Costa, Larissa Souza e Rafaela Browne, Maria Silva Sousa e Georgia Ramos, trabalhadoras da cultura, educadoras, pesquisadoras e artistas que, na época trabalhavam todas na parte receptiva do mesmo museu.


Muitas das mulheres, tendo passado pela prática educativa do ambiente do museu enxergavam similaridades nas partilhas que aconteciam entre o expediente e o pós-expediente.


Almoços, cafés, bares acabaram por revelar lugares sentidos por todas que compõem o grupo, e por isso passaram a pensar e explorar, juntas, novas e diferentes maneiras de entender e praticar funcionamentos mercadológicos e educativos mais acessíveis do que haviam encontrado até então.


“Até o dia que pensamos: bom, já que não conseguimos acessar alguns lugares, dependendo dos outros, talvez a gente consiga fazer isso juntes, em coletivo e, consequentemente trazer pessoas junto com a gente.”, conta Larissa Souza.


Gabriela, Larissa e Rafaela me contam no áudio – que você pode escutar clicando aqui – que o Coletivo Magenta tem uma organização fluida, é uma construção em constante transformação: um coletivo pensado para além do funcionamento interno, que agrega e pensa também outres artistas que possam compor o todo em constante mutação e desenvolvimento.


“Toda história é feita de processos e estamos vivenciando esses processos. Mais importante do que é o Coletivo Magenta, é a confluência das nossas experiências enquanto indivíduos únicos e o quanto temos para trocar uma com a outra e com as outras pessoas.”, arrematou Gabriela


Divulgação: Foto/Coletivo Magenta

O Projeto


O objetivo então é pensar novas formas de comunicar realidades subjetivas que são negligenciadas tanto pela história, quanto pela sociedade. Como fazer isso sem apontar os pontos de crise que existem na operação de alguns sistemas culturais?


Essa busca possibilita encontros de potencialidades que pensam do mesmo modo, que podem se comunicar individualmente, a partir de questionamentos semelhantes que reverberam no mesmo lugar enquanto coletivo.


Em concordância, o grupo representado nesta conversa por Gabriela, Larissa e Rafaela, entende que estão indo também de encontro a esse mergulho de descobertas, partilhadas por muitos, no modo de fazer. Tudo isso demanda aprendizagem constante: falar em grupo sem que nenhuma voz seja desrespeitada, assim todas as vozes individuais devem ser preservadas.


A ação destas desmistificações também é levada em conta, a transformação de pensamento talvez seja o elo que une o coletivo: dilatar teorias em todos os âmbitos da vida, seja dentro de academias, seja em jantares familiares, seja conversando com amigues.


Conceitualmente, o Coletivo Magenta age enquanto a soma de vozes, como explica Rafaela Browne:


“Cada uma das suas integrantes tem a suas histórias individuais enquanto educadoras, enquanto artistas-produtoras, e essas histórias se somam e se intercalam. O coletivo já surge dessas histórias que são anteriores ao próprio coletivo. Esse é um dos motivos pelo qual é tão importante para a gente que se somem muitas vozes, porque a gente não consegue falar pelo todo, então quanto mais gente estiver falando sobre si e sobre as questões, que também abarque o pensamento do coletivo, trazendo seus próprios questionamentos enquanto artistas e enquanto trabalhadores da cultura, faz todo sentido para gente, [...] a gente não acha que tem o poder da fala, abrimos o espaço para que todos falem de si.”


Escutando com carinho e cuidado a fala das mulheres que compõem o Coletivo Magenta, pude reconhecer a imensa alegria que é participar da feitura e proposição de uma nova consciência cultural.


O Coletivo, composto por tantas pluralidades, intensidades e desejos pode parecer impossível de ser organizado, principalmente pensando que a construção é também um aprendizado. Enquanto pesquisadoras-educadoras-artistas-produtoras-culturais, a equipe do Magenta parece se adequar em fruição de acordo com a disponibilidade de cada integrante, sem perder o objetivo de construção proposto por um novo tipo de pensamento que toca a proposição do que chamo e entendo como vida-arte-vida, onde o fazer artístico não se distancia da vida cotidiana, muito pelo contrário, se adequa às flexibilidades diárias para que todes possam ser contemplades na construção coletiva.


Nesse sentido, a fala das mulheres se adequa ao pensamento de desestruturação e desformatação do que já é comumente dado, propondo além dos estudos, formas práticas de alterar o funcionamento mercadológico e histórico do fazer artístico como um todo.


Por serem educadoras, levam em consideração, com profundidade, que a expansão deve abraçar a maior parte das pessoas. A acessibilidade e a democratização são palavras-chave da da proposta levantada pelo coletivo.


Enquanto coletivo independente, o acordo é que o trabalho seja distribuído de forma que todas possam se sentir confortáveis e contempladas, para que, além do profissional, possam também se apoiar a dividir o peso e “as loucurinhas da cabeça”. O intuito é justamente agir de forma oposta às chamadas indústrias ou empresas da arte.


Divulgação: Foto/Coletivo Magenta - Rafaela Browne e Gabriela Costa

Pluralidade na singularidade

Nessa conversa, por exemplo, troquei ideia com três integrantes do grupo, pois Maria Silva Sousa e Georgia Ramos estão atentas a projetos outros. A fluidez das organizações, em meio ao cotidiano, pode e precisa ser adaptada para que tempos individuais também sejam respeitados.


Faria sentido definir divisões de tarefas dentro do Coletivo?

“Pensar a divisão de tarefas, de uma forma linear, sempre foi muito difícil e na real não existe. Seria uma mentira dizer que cada uma tem uma função pré estabelecida e que seguimos isso a risca.”, contou Rafaela.


As demandas são sanadas de acordo com a facilidade e interesse de cada participante, a adequação de tarefas seja na escrita, aprofundamento de reflexão, edição de imagem e vídeo, caminha ao lado, muitas vezes, dos próprios fazeres artísticos das integrantes.

Em 2018 o Coletivo participou da Ocupação Redbull Station, que aconteceu entre junho e julho daquele ano. Durante a Ocupação, o Coletivo Magenta rediscutiu os parâmetros de construção da profissão artista na sociedade capitalista e heteronormativa, tensionando lugares desde a produção da obra de arte e a figura do ser-artístico até a montagem e desmontagem de uma exposição, além de terem produzido materiais documentais em áudio-visual, palestras e rodas de conversas onde as artistas participantes puderam falar sobre si e sobre as obras que compõem o repertório individual de cada uma.


O ímpeto artístico se ramificou para ampliação da comunicação: durante a ocupação, por terem mais tempo para desdobrar as descobertas e práticas, puderam planejar conversas, vídeos, entrevistas e palestras.


O registro aconteceu porque Rafaela, primeiramente, teve o intuito de registar os trabalhos, e depois entendeu que o material poderia ser ampliado tanto para o repertório do coletivo quanto para o acervo individual de cada artista.


“As entrevistas aconteceram lá pela primeira vez, a gente nunca tinha feito, eu nunca tinha feito. Foi novo para gente, foi novo para mim, mas é uma parada que eu acredito até hoje e sigo até hoje.”, conta Rafaela.


As entrevistas surgem num lugar de real e natural de troca. Para o coletivo, foi um prazer ouvir cada artista falando sobre seus projetos e depois poder compartilhar tudo isso numa rede mais ampla, não blocando os assuntos e não blocando suas histórias e seus processos.


Pensar organizadamente é o que faz com que o coletivo adote visões sobre reformas dentro dos sistemas artísticos que conhecemos hoje em dia. Gabriela deixa claro que o Coletivo Magenta não fala no lugar da revolução – não que não exista, mas a complexidade do conceito que a abarca é demasiadamente complexa –, e sim sobre passos que se somam e avançam rumo ao diálogo. A reforma, na visão das mulheres detém a calmaria e raiva na medida certa e enquanto elementos complementares para que a mudança possa vir a acontecer, como impulsionamentos que auxiliam o caminhar.


Desta forma, o Coletivo Magenta menciona algumas referências que levam em consideração na hora de se posicionar com cautela, entendendo que os silenciamentos, muitas vezes impostos pelo mercado da arte, podem ser extremamente nocivos para a produção cultural.


Bell Hooks ao debater o lugar de fala, por exemplo, questionando quem tem o direito de falar, quem fala e porque outras pessoas não falam, mesmo que quando possam dizer, também não dizem. Dentro de todas essas tensões o coletivo se coloca no lugar de quem faz, diretamente, agregando diversas áreas artísticas e artistas, pensar uma exposição decolonial é respeitar e divulgar o trabalho de artistas mulheres, negres, queers, levantar pautas que remexam nos assuntos não deve acabar na montagem de uma exposição e feitura de acervo, muito pelo contrário, este é o mínimo.


Divulgação: Foto/Coletivo Magenta - Maria Souza Silva

O elo do ser-artístico


Ter a oportunidade de escutar e aprender com a fala de cada uma me lembrou algumas questões tensionadas por Ailton Krenak, líder indígena, ambientalista e escritor brasileiro, quando nos questiona sobre o tipo de humanidade que pensamos estar construindo dentro de seu recém-lançado livro A Vida Não É Útil.


O autor nos provoca com reflexões sobre as consequências da situação pandêmica que tomou conta do mundo em 2020 e, escutando com atenção, a proposta de criação de espaços do Coletivo Magenta me nutre de encontro a este pensamento: trabalhar com artistas e criar espaços de acolhimento demonstra o tipo de posicionamento intrínseco à desconstrução de algumas tendências destrutivas dessa chamada “civilização” que habitamos no contemporâneo.


Perguntei ao coletivo o que significa cuidar desses espaços de acolhimento, o que esses espaços transformam dentro do coletivo e, consequentemente dentro da vida individual de cada uma delas.


“É até cômico falar assim, mas tentamos tratar as pessoas como pessoas. Entendemos que estamos trabalhando com artistas, com profissionais que têm carreiras, trajetórias e possibilidades distintas. A ideia é que todas essas características se somem e não que sejam sobrepostas pelo nosso discurso curatorial.”, comentou Larissa.


Existe um lugar do mercado artístico onde ser amigue, familiar ou conhecide de alguém que trabalhe em instituições culturais influencia ou impede que o portfólio artístico seja considerado, segundo Larissa, o coletivo leva em consideração todos os portfólios apresentados como trabalhos que demandam cuidado, atenção e respeito ao serem expostos, reproduzidos e compartilhados. A subversão da lógica atual enxerga individualmente toda e qualquer manifestação artística, independentemente de grau de proximidade social.


“Entender que são pessoas que tentam fazer o máximo para romper essa hierarquia de O Curador, O Crítico, O Artista que já expôs em todos os lugares; O Artista que está saindo da faculdade., etc [...] Esses pedestais que a galera se coloca, ou que quem vê de fora coloca: curadoria, pesquisa – e os artistas principalmente: É balela. É cansativo demais, [sendo que] o que é importante é trabalhar com artistas na base da troca de trabalhos, são pessoas que estão trabalhando, os artistas que estão trabalhando, os pesquisadores que trabalharem com a gente, estão trabalhando. Não é uma aura genial, não estamos num cúpula no céu, isso não existe. É importante dizer que já passou da hora de estes pedestais caírem por terra e que o Magenta não está nesse lugar!”

Coletivo Magenta


A pesquisa torna-se extensa e aberta para que questionamentos, aprendizados e trocas que só podem aparecer da soma de mentes diferentes. Para o coletivo é importante que as pessoas que acompanham o trabalho percebam que as trocas estão constantemente abertas para que os degraus que levam aos pedestais deixem de existir.


Trânsitos, a nova exposição que está sendo articulada pelo coletivo, foi muito interessante para as integrantes desde seu chamamento – chamada aberta –, leitura dos portfólios, seleção final até os processos curatoriais. A curadoria é pensada através dos materiais que chegam e com a troca que é feita no todo, a abertura de processos pretende entender as desconstruções partindo da base.


A exposição teve seu início antes mesmo de o ano se mostrar e acontecer como tem acontecido. Durante a produção do conteúdo artístico proposto pelo Magenta, a proposta de virtualização de realidades já estava presente no planejamento e acontecimento da exposição. Todo o pensamento sobre articulação que caminhe por entre o digital e o físico exigiu pesquisas e referências contemporâneas para a composição do repertório estratégico para o projeto.


“Essa exposição não está sendo virtual por causa da pandemia, mas porque já existia um planejamento que vem sendo elaborado desde março. Ela não foi adaptada para o virtual, ela está sendo planejada há um bom tempo, na calma que todo projeto deveria ter.”, diz Larissa.


Dose, revista de artes portuguesa, é referência no funcionamento dessa articulação pensada pelo Magenta, que desde seu início se preocupou em pensar maneiras para que a exposição possa ser realmente interessante de visitar, para que as pessoas que entrarem na exposição saibam que tudo ali foi planejado para que a visita aconteça como acontecerá.


Foto: divulgação/Coletivo Magenta

Deste lado da tela


As microadaptações não fazem parte da articulação do projeto que se preocupa com a fácil navegação – para que todes possam acessar e entender o que está acontecendo, com as imagens que serão exibidas tenham a qualidade devida – para não prejudicar a apresentação dos trabalhos, por ser uma exposição online. Todo este processo complementa as maneiras que a exposição vêm ganhando forma.


“Por mais que às vezes pareça que está demorando demais (às vezes até a gente acha que está demorando demais, risos), é porque a gente quer que saia bonitinho. Queremos que seja uma experiencia maneira, para o virtual, para que não seja comparativa para que ‘ah, se fosse no presencial’, ‘se fosse de outra forma’, não é outra forma, essa é a forma que foi pensada.”, confessou Rafaela.


Levando em consideração todas as experiências que ocorrem dentro de instituições culturais, e as possibilidades e expansões das experiências virtuais recentemente, o coletivo lançou um financiamento coletivo para apoiar a construção e materialização da exposição que em breve será lançada, finalmente recebendo por isso.


O primeiro financiamento coletivo que surgiu a partir de Trânsitos, possibilitou a ampliação prática que o coletivo também deseja abarcar, por isso uma das recompensas propostas pelo Magenta foi o lançamento do seu Grupo de Estudos – vontade antiga, mas que chega como consequência e complemento da exposição, já que para além das exposições, a prática da pesquisa e o constante estudo dos próprios trabalhos também compõem o repertório de fazeres artísticos e acadêmicos.


Por ser a primeira experiência do grupo a ter sido paga, o coletivo ainda está entendendo como é o desenrolar — e enrolar — que partirá daí. Por outro lado, mesmo que o financiamento tenha terminado, o Grupo de Estudos – Práticas Artísticas em Discussão, que acontece em dezembro, janeiro e fevereiro, está com inscrições abertas para bolsas: todas as informações você encontra no link da bio do instagram @magentaart.co


Além disso, Trânsitos também se transformará em alguns livros. A “versão física” da exposição, composta com a documentação da exposição, materiais extras, educativos e críticos se desdobra a partir da exposição em contato com mais educadores, mais pesquisadores, mais palestrantes, ampliando o campo do conhecimento proposto anteriormente.


A impressão dos livros para os artistas, além do pagamento simbólico, é pensada como uma recompensa que possa fazer parte e agregar, também, o repertório e trajetória individual de cada participante envolvido.


São maneiras de tocar, trocar e compartilhar a produção que, à primeira vista, parecem subversivas, mas que se olharmos mais atentamente, é como deveria ser desde sempre.


“Todos os nossos projetos têm um maior objetivo: é pensar educativamente em como uma curadoria vai acontecer, desde o momento que ela se instaura como objeto de chamamento para a comunidade artística, até o momento da escolha, prezamos por fazer uma curadoria ativista”, conta Gabriela.


Foto: divulgação/Coletivo Magenta

Responsabilidade com o público


Nenhuma janela se fecha, todas as pessoas que se inscreveram receberam devolutivas e contaram com trocas de referências, até porque, muitas vezes algo que nos interessa pode aparecer de outra pessoa que já tenha entrado em contato, e que ainda não chegou para alguns.


Enquanto mediadoras, as integrantes do Magenta se preocupam em fazer esse enlaçamento de saberes, tentando sempre não negligenciar nenhuma das pessoas que acreditam e acompanham o projeto.


A autogestão que o coletivo vivência durante a construção de Trânsitos aparece como exercícios de compreensão do meio. Tratando a exposição virtual como uma pesquisa, as integrantes entendem que o atual ambiente não se equipara ao presencial, não no sentido de que a fruição da obra seja interrompida, mas que aprendem-se outros tipos de fruições, muitas vezes positivas, imersivas e ampliadores.


“Para a gente é fundamental que tenha acessibilidade, é fundamental que tenham educadores, é fundamental que tenham referências de pessoas que fazem sentido e que vão trazer luzinhas para a cabeça de quem estiver vendo, ouvindo, sentindo essa exposição.”, contou Gabriela.


A produção cultural entrelaçada a pesquisas, fazeres artísticos e atenções flutuantes, só impulsionam cada vez mais o desejo de acompanhar mais de perto produções independentes que tenham o mesmo valor ético, crítico e consciente sobre o que fazemos, e porquê fazemos.


Mais uma vez agradeço imensamente todas as falas cuidadosas, a abertura e confiança do Coletivo Magenta, representado nesta conversa por Gabriela Costa, Larissa Souza e Rafaela Browne. Agradeço também as produções que crescem independentemente das aberturas mercadológicas pois como o Coletivo Magenta também acredito nas quebras de paradigmas impostos para que possam emergir novas formas de contato e troca dentro de espaços culturais, preenchendo toda a nossa vida.


Para conhecer mais o coletivo, acompanhe o instagram @magentaart.co e fique de olho porque Trânsitos está sendo tecido e os desdobramentos da exposição você encontra por ali.



Criemos juntes a humanidade que queremos participar: por essas e outras, apoie a arte e cultura independente!


Até a próxima Antena!



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