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Saudades do Réptil

\\ CRÔNICAS

Sim, devo confessar. Como era bom tê-los por perto, senti-los próximos ao meu corpo ou ainda, pulsando na palma da minha mão.

Por Maria Paula Curto, colaboração para Frentes Versos


"Rapaz Mordido por um Lagarto" (1594-1596), de Caravaggio.

Faz um bom tempo que eu não encaro um espécime como esse. Nem sei se o reconheceria se o visse hoje.


Afinal, existem modelos variados. Tem dos grandes. Largos. Robustos. Chegam a assustar com tamanha envergadura. Mas se e quando dominados, costumam trazer imenso prazer. Chego a salivar com a lembrança. Eles me metiam muito medo no início, porém, eram os que mais me atraíam. Sim, devo confessar. Como era bom tê-los por perto, senti-los próximos ao meu corpo ou ainda, pulsando na palma da minha mão. Claro que eu ficava bem cansada após um encontro como esse, com o suor a escorrer pelo corpo, tinha até tremores que me sacudiam em ritmos frenéticos que eu tentava conter. Obviamente, não conseguia. Chegava a delirar de tanto prazer. Era um gozo tão intenso que me deixava completamente extasiada. Não tinha forças para mais nada. E prometia a mim mesma que eu não voltaria a encará-los. Em vão. Esse gozo era tão viciante que eu mal podia esperar para encontrar o próximo exemplar mais uma vez. Nem que fosse apenas mais uma. E rapidinha.


Há também dos pequeninos. Fininhos. Tão fininhos que, muitas vezes, você nem percebe que eles estão por perto. Você não acha que eles vão te atacar e, quando menos se espera, lá estão eles, deslizando, macios, pelas nossas costas e escorregando, suaves, por “mares nunca dantes navegados”. Não se iluda. Esses são os mais perigosos. Perigosos porque não mostram, de cara, o poder que têm. Você entra na luta desprevenido, achando que vai ganhar por nocaute no primeiro round e quando se dá conta, quem está lá, largado, de cara no ringue, com sangue na boca e inúmeros hematomas no corpo é você. Por isso, meu caro, minha cara, fiquem alertas, os fininhos também machucam.


Já houve época em que meu contato com esses tipos era diário. Não tinha horário certo: às vezes nossos encontros se davam pela manhã, outras, à tarde e muitas vezes durava a noite inteira, chegando a varar a madrugada. Nem sempre era divertido. Quantas vezes eu saí machucada. Em algumas, não muitas, devo dizer, eu saí gloriosa, me sentindo a “última bolacha do pacote”. Mas essa sensação durava pouco. Quando eu menos esperava, a ferida aparecia. Aberta. Doída.


Conviver com esse tipo de coisa e conseguir ser feliz não é para qualquer um. Requer jogo de cintura. Paciência. Visão estratégica. Temos que saber antecipar o bote, pois, esteja certo, mais cedo ou mais tarde, ele vai acontecer. E estarmos preparados para o embate. Sem expectativa de vitória, mas com a convicção de sermos adversários à altura.


Onde esses espécimes se encontram? Amazônia? Pantanal, talvez? Não mesmo. Qual seu habitat preferido? Florestas úmidas? Beira dos rios? Nada disso. Os mais venenosos eu sempre encontrei aqui pertinho, na esquina da Faria Lima com a Juscelino.


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