\\ CRÔNICAS
Gosto da ideia de não poder emitir opinião sobre o que está sendo discutido porque isso permite que eu pense.
Por Vitoria Novais
Eu realmente gosto da ideia de ouvir um alguém único falando para o nada ou o não concreto, físico ou direcionado. Sabe aquelas conversas que são estabelecidas como conversas, mas que no fundo tem um falando e o outro apenas ouvindo e o que está ouvindo não tem os mecanismos de interferir e responder ao que tá falando. Gosto da ideia de não poder emitir opinião sobre o que está sendo discutido porque isso permite que eu pense.
Tenho passado muito tempo em longos monólogos frente ao espelho do meu quarto, que eu estrategicamente mudei de lugar para que possa olhá-lo sentada na cama. Tem gente que gosta de manter tudo o que pensa dentro da caixinha selada da mente, mas eu gosto de pôr pra fora. De uma forma ou de outra falar sozinha é quase mais complexo que falar com alguém. Enquanto em uma conversa de dois existe a ansiedade do julgamento do outro, que aqui se consolida apenas como uma especulação do que o outro possa vir a pensar e assim sendo é apenas uma fantasia, no caso de uma conversa de um existe a onipresença sobre tudo que está sendo discutido. Eu mesma falo e eu mesma julgo.
Gosto de emitir frente ao espelho minhas opiniões, sendo elas razoáveis ou não, e ver o que acontece com meu rosto, minhas mãos, meus olhos. Estar nesse lugar onde o um vira dois me fascina.
A imagem refletida sou eu, mas não sou eu ao mesmo tempo. É como me ver de fora, sair do meu próprio corpo e contemplá-lo de outro ângulo, mas sem deixar de enxergar pelo ângulo original. Aqui, o meu reflexo no espelho nunca tem exatamente um poder de resposta e eu também gosto disso.
Mas gosto também de ser o reflexo sem poder de resposta de terceiros e por isso me encantam os monólogos teatrais, os vídeos de youtubers sentados por horas discursando em frente a suas respectivas câmeras, os imensos podcasts que ouço durante a semana, as conversas da mesa do lado em restaurantes.
As vezes sinto que essa posição de não resposta é combustível para uma infinidade de reações cerebrais que me levam para lugares extraordinários. Não ter a responsabilidade de se fazer entender é uma liberdade incrível, é como cortar os barbantes que prendem um chumaço de balões de gás hélio que enfim podem subir até explodirem no limite da atmosfera. E assim eu vou pulando de assunto em assunto, dando respostas absolutamente desconexas a perguntas que acabei de fazer e então aceitando-as como se fizessem sentido. Invento histórias, imagino futuros e passados e percebo o quanto na verdade gosto bastante de quem sou.
O principal símbolo da futilidade estética me parece muito pouco explorado por aqueles que não estão necessariamente tão preocupados com sua beleza. Talvez por medo de serem hipnotizados e manipulados pela busca da perfeição, ou serem prejulgados como narcisistas, como se seu reflexo fosse a própria personificação da indústria do marketing de cosméticos. Muito se perde quando não se olha no espelho, porque não existe ali nada além de nós mesmos e a oportunidade de nós enxergarmos como nos enxergam. É quase como fazer um amigo.
Acho que foi bom fazer amizade com meu reflexo.
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