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Resenha do Sertão

\\ CRÔNICAS

Ao centro, rodeado pela multidão, um caixão guardava o corpulento varão; meia idade, ca-belo ralo, imponente e, denunciado por uma desacompanhada coroa de crisântemos, coronel da pacata cidade. “Em memória de coronel Buti Azevedo”.

Por Vitor Hugo Gonçalves, Especial para Frente & Versos


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(Foto: Flavio Fernandes Filho, tirada em Março de 2015, via Pixabay.com)


Em minha última excursão ao Cariri, em visita jubilosa à parentela, assim como para saudar a terra que me concebeu, alcançou-me um incontável rol de contos e histórias regionais, as quais são capazes de fazer qualquer cabra aderir ao ceticismo dos candangos.

Uma delas fio-me de pés juntos, pois estive presente. Aqui segue: Estava eu mais painho, amontados nos mais belos alazões que nosso sítio pode criar, em pe-regrinação pelas redondezas – nada muito distante. Alçando Pajeú, precisamente o município de Ingazeira (o menos populoso de toda Pernambuco), uma notável procissão, portando todo cortejo cabível ao contexto, desembaraçava-se sobre nossos olhos.

Painho já se rendia ao convidativo marasmo do ambiente, adjacente à alva e surrada parede de um boteco, que interiormente fazia-se condizente ao muro, enquanto, arriscado, punha-me à frente. Talvez a aptidão jornalística tivesse farejado inusitado desfecho… Na bota, fui ter com o povo.

Ao centro, rodeado pela multidão, um caixão guardava o corpulento varão; meia idade, ca-belo ralo, imponente e, denunciado por uma desacompanhada coroa de crisântemos, coronel da pacata cidade. “Em memória de coronel Buti Azevedo”.

Comoção alguma podia ser encontrada nas curiosas faces que o cercavam. A família, até dado momento, não havia dado o ar da desgraça, muito menos de graça qualquer. Murmurinhos surgiam numa sinfonia arrastada pelo sotaque, brotavam aos bocados, e confundiam-se com a ladainha de todos os anjos e santos entoada pelo vigário?– coincidentemente deparava-se na ocorrência Padre Antônio, o homem que arrancou o pecado original de minha alma semanas após meu nascimento.

Ao meu lado, o paradigma sertanejo expunha-se nas falas de dois confrades:

-Vôte, homem! Num é que o cabra da peste levou gaia da mulé?! Amarrou o jegue foi ave-xado…

Bendito doutor regionalismo! O caboclo, de canto, comentou arisco com o compadre e o fato, então, consumiu-se em meu imaginário: o coronel descobriu-se traído e posteriormente, não aguentando a angústia ou desonra, cometeu suicídio.

Da exuberância, apenas a lembrança. Proferido o último Pai-Nosso, Padre Antônio pôs-se à minha frente:

– Oxente, se não é Raimundo Goulart! Achegue-se, Mundinho, achegue-se…

Arrastado o cumprimento, o sacerdote poupou-se do oitavo mandamento e tratou de de-sembuchar a narrativa que se sucedeu:

-O cabra ficou é louco da vida, Mundinho. Estava em viagem pelas bandas paulistas e aca-bou por chegar dia antes do conferido à mulher; e nessa, pegou a mesma no ato mais carnal com Seu Vicente, melhor amigo de coronel, Buti. O homem não hesitou, Mundinho, abriu o guarda-rou-pas, apanhou a espingarda e… BUM BUM!

A onomatopeia fez-me tremelicar. Com a cabeça, intrigado, solicitei o restante do fato; afi-nal, o morto à minha frente denunciava destoante contexto.

-Veja só, Mundinho, coronel Buti trucidou os dois, mulher e Vicente, o amigo… – meneou certo descontentamento ao finalizar. Segundo depois ergueu-se num sorriso:

-Foi aí que ele se apressou à capela, e é aqui que o conto se arreta!

Surpreendeu-me o entusiasmo. Prosseguiu:

-Coronel chegou-me todo amostrado e confessou-me os pecados ali mesmo, à porta. Nada além de trivialidades. Ajoelhou-se sentido… e olhe cá, Mundinho, te relato o acontecimento em vir-tude da amizade que tenho com vossa família, não pense que se tratam de fuxicos advindos de minha pessoa!

Fingi certa comoção, apenas para saber o desenlace. Não me desapontei com a hipocrisia:

-Pois bem, o cabra confessou-me paixão por Seu Vicente e admitiu o sonho de arrumar o baralho com o amigo. A mulher que vá para os infernos, o tesão do homem estava em Vicente! Assim foi, não sustentava mais o calvário de ser o que não era, e após matar o amor de sua vida, companheiro de longa data, rogou-me perdão. Em nome do Senhor! Num ato de desespero… BUM!

Sacudi-me novamente.

-Coronel atirou contra o próprio peito? – sussurrou – Avexou-se, Mundinho! Aos meus pés…

Mediante à trégua das férias, o faro profissional mantinha-se aguçado. Ademais, desenrolei a prosa com o vigário até virar potoca que acabou em despedidas. Abismado, voltei a painho.

*

-Rendeu-se à multidão, filho de Deus?

-Oxe, painho, alinhe-se no arreio que a resenha é das boas…

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