\\ TERCEIRO SINAL
Uma parte de mim pensa que volto demais ao passado. Creio, e, mais surpreendentemente, realmente creio que se engana.
Por Bruno Pernambuco
O tamanho que eu tenho é somente para mim mesmo. É só de mim que vejo ser do tamanho daquilo tudo que vejo. Um sentimento é, em cada momento, o sentimento de muitas coisas simultaneamente, e eu não sou mais do que aquela parte que fica de mim em cada coisa.
Uma pulsação atravessa, é a pulsação de múltiplas coisas ao mesmo tempo. Um mesmo olhar se abre em múltiplos passados. Diferentes lembranças são afinal retratos múltiplos de uma mesma coisa. A rememoração não representa nada a não ser a própria memória, em sua antecipação, anterior à realidade. A lembrança de um dia alegre, resplandecente, ou de um amor em que se acreditou, ou da calma que certa vez se percebeu no olhar fechado dum morto é a mesma que a lembrança de um rosto que nunca se viu. Sua existência não é mais que uma sugestão, uma antimemória, um segredo que desapareceu antes mesmo da palavra que pudesse guardá-lo.
Enigmas nas pedras e também no mar. Enigmas na caixa vazia e nos males que estiveram guardados. Num grande adiamento e numa certeza súbita, que atravessa com a marca dessas menores e mais fortes coisas do dia. Num isolamento, numa remissão, e numa entrega completa, ainda que solitária, à noite. É impossível dizer o quanto a indefinição que existe fora é a mesma que existe em mim - e é impreciso dizer o quanto as duas se reconhecem, se trocam, se cumprimentam, se conversam também indefinidamente.
Uma parte de mim pensa que volto demais ao passado. Creio, e, mais surpreendentemente, realmente creio que se engana. De qualquer forma o engano me traz novamente o alívio de aquele acontecimento nunca fora de fato meu. Estar no passado é saber que ele é nada.
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