\\ ANTENA artista em foco Gil Mosolino
Eu já caí num pensamento de que se eu sou um artista solo, que faz tudo solo e não faz colab[oração], ou num outro quando faz é uma coisa muito mínima, você é um artista que não está gerando nada para o cenário.
Por Lia Petrelli
No podcast que você pode ouvir aqui, entrevistei Gil Mosolino, musicista, cantor, compositor e guitarrista da banda nacional Applegate, pautando as inquietações mútuas de ser, ver, pensar e articular os fragmentos de cultura que poderão vir; e atualmente estão vindo a existir, passando por inseguranças mercadológicas próprias deste lugar de transformação que estamos enfrentando, globalmente, enquanto artistas. Falamos da música, especificamente e expomos opiniões não tão utópicas.
Gil tem articulado trabalhos de mixagem de som e vem alternando seus trabalhos entre produção de conteúdo coletivo e individual – ressaltando o projeto Kermit Machin, que começa a tomar forma, seguindo algumas diretrizes talvez impostas pelo desdobramento cultural que a sociedade vive no agora. Entre discussões possíveis e leituras de mercado, a conversa que tivemos deu voz à vontades e desejos íntimos de mudar a lógica com que o artista se comunica, tanto em direção ao público, quanto em direção aos próprios artistas, que parecem ter se desconectado da mutualidade própria do meio.
As demandas externas clamam para esta mudança do pensamento, e abrir espaço para conversas intensas, críticas e analíticas mostra-se, assim, essencial. Por isso pedi para que Gil começasse me contando como tem sentido esses últimos meses.
(Este trecho da conversa começa no minuto 2:00)
Gil: Na semana que começou a pegar fogo [...] eu tinha cinco gravações marcadas, uma atrás da outra, e aí a galera começou a se trancar dentro de casa e acabou tudo. Eu perdi todos os clientes. [...] Só tenho certeza que vou gravar duas bandas quando isso tudo acabar. [...]
Eu trabalho com produção musical, gravo, edito, mixo, masterizo o som da galera. Fico meio que contando com isso, hoje em dia, estou com zero clientes mas também não estou buscando ou fazendo campanhas para divulgar esse serviço agora, porque tenho o pensamento de que a nossa área como um todo, da arte, é a mais afetada possível por essa crise, em geral. Em todos os seguimentos da arte. Conversando com amigos artistas: está todo mundo sem grana, quebrado, o pouco de grana que tinha, tá se segurando, porque não sabe quanto tempo isso vai demorar para acabar. Está sendo muito mais uma questão de sobrevivência. [...]
Enxergando todo esse cenário junto com o cenário de que “não estou saindo de casa, para nada”, acabei rejeitando três trabalhos fora, de edição, porque sem condição de me arriscar para ganhar pouco. Não tem grana rodando. [...]
Trabalhos monetizados estão zerados. Porém o que tenho feito durante a quarentena são trabalhos que são meus. Comecei agora um projeto chamado Kermit Machine, que são músicas que vou compondo, produzindo e editando, que faço tudo sozinho: lanço, e estou fazendo como se fosse lançamento, de fato. Trocando ideia com a imprensa, fazendo a parada rolar, mesmo sendo uma parada 100% autoral, minha. Tive esse insight de “Ah, se não vou trabalhar para os outros e já estou sem grana, vou pelo menos investir da minha carreira.”, para estar construindo algo que possa se soltar lá frente, quando tudo isso passar. Porque vai passar e até lá quero estar com um portifólio mais estruturado.
Durante a conversa, desviando e mesclando melhor ainda as articulações mercadológicas, Gil e eu entendemos que o meio também não deixa de atuar no coletivo, quando muitas linguagens têm, hoje, a possibilidade de se agregarem, a fim de evoluírem, juntas:
(Este trecho da conversa começa no minuto 28:30)
Gil: É uma coisa de louco. Para sermos artistas, temos que ser meio malucos, mesmo. Porque temos amor incondicional por uma parada superdifícil. É superdifícil trabalhar com arte. Você tem que saber de tudo e mais um pouco.
Lia: E é totalmente complexo, porque conforme o mercado vai seguindo você fala: “tenho que saber marketing, publicidade, tudo... Direito, por conta dos direitos autorais.” Tem que saber de tudo.
Gil: É complexo demais, mas é isso: se escolhemos fazer isso da vida, temos que nos virar. Mas é difícil. [...]
O que experienciei com trabalhos em grupo, dentro da arte – lembrando do tabu administrativo, de não querer misturar a exatas com a arte — é um conceito de hierarquia horizontal, onde todo mundo tem a mesma voz: a parada não rola. Rola briga, desentendimento, demora, um monte de coisa, mas não rola a parada final. Quando você estipula uma equipe: você vai fazer isso, você, aquilo, você é o responsável geral [...], a parada é mais direcionada.
Também temos que entender que a qualidade de trabalhar em grupo também é soltar a corda e falar: eu vou confiar nessa pessoa. [...] Esses são os desafios do trabalho em grupo, que no trabalho solo não existe. Só que o ruim disso, de hierarquizar, é que se for para fazer um trabalho num esquema de pirâmide, aí já tem que envolver dinheiro, se não o pessoal fica louco: “Pô, tô recebendo ordem, mas não tô recebendo grana.” Então é compreensível, mas o que é fácil na arte? Nem vender o produto final é fácil.
Lia: Exatamente, mas só aprendemos essas coisas fazendo. Tendo um grupo, trabalhando em grupo, e vendo todas essas dificuldades, e se adaptando. Não nascemos sabendo, a faculdade não vai dar todas as respostas – infelizmente, não vai dar quase nenhuma resposta.
Gil: O que tenho gostado de trabalhar com mais pessoas hoje em dia é o modo de sentar e trocar uma ideia franca. Já cansei de brigar por coisas mal definidas no início do trabalho [...], agora sempre que estou começando um trabalho artístico com uma pessoa, falo: “Olha, eu preciso que você faça isso, isso e isso, a sua forma de remuneração vai ser essa, e ‘estamos muito bem conversados sobre isso?’”. Faço inclusive contrato e mando para a pessoa, só para garantir que não vamos perder a amizade nos últimos casos, mas é isso, tem que ter muita conversa para lidar com a arte.
Além de fazer tudo isso eu estou dando 100% de autonomia para a pessoa. Então, se por exemplo, eu te chamo para fazer a capa do meu álbum é porque eu conheço a sua arte e confio nela, [...] eu te deixo 100% livre para me entregar a sua arte, eu não quero que você faça o que o outro artista faz. Esse respeito tem que ter com todo artista. Não quero que você faça copiando algo ou alguém, eu quero que você faça o que você sabe fazer de melhor. Dentro do escopo de um trabalho que definimos, porque tem que profissionalizar muito as coisas, no mínimo detalhe. Já é difícil com, imagina sem.
Lia: Sim, seguindo nessa linha fica óbvio existe isso do “eu tenho uma habilidade que você não tem e você claramente tem uma que eu não tenho”. Não dá para crescer sozinho, tenho aprendido muito isso nesse momento de isolamento. Quanto mais confiamos no trabalho do outro, maior o espaço para o outro saber o que sabe fazer; é bem melhor. Primeiro porque não pesa, ter que aprender uma nova parada, segundo que é assim que tem girar. É nessa divulgação em conjunto, mostrando trabalhos, capacidades e habilidades que não temos que realmente damos a voz para o outro.
Gil: É exatamente isso. Eu já caí num pensamento de que se eu sou um artista solo, que faz tudo solo e não faz colab[oração], ou num outro quando faz é uma coisa muito mínima, você é um artista que não está gerando nada para o cenário. O que custa? É até melhor o trabalho em grupo. É aquela coisa que falei no início: tem que ser coisas focadas. A maneira com que a arte vai nascer – se vai ser uma arte solo, ou uma arte em grupo –, vai definir 100% o [produto] final dela. É impossível você ser artista e passar toda a sua vida sem ter feito trabalhos em grupo. Vão ter, claro, os que vão fazer mais e outros menos, mas vai rolar e quando acontecer temos que ter essa cabeça de ‘Bom, não quero perder laços de amizade com ela, mas respeito muito o trabalho artístico dela, então justamente por causa disso, vou trabalhar da melhor forma possível, 100% respeitosa.’
Para conhecer o trabalho de Gil, acesse o site
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