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'Perfil': a poeticidade de Adriana Calcanhotto

\\ ENTRELINHAS

Enfatizando o nome, Perfil traça o retrato da subjetividade poética da cantora. Longo é o inventário de rastros do sentimentalismo de Adriana.

Por Giovana Proença


Capa do álbum 'Perfil'/ Imagem: Divulgação.

Nunca tivemos uma poeta como Adriana na MPB. Dançar sozinho fica melhor nas toadas líricas da cantora. Não importa onde e como – fones de ouvido sintonizados no Spotify – sempre parece que a escutamos nos anos 90, vitrola mogno do apartamento cheio de samambaias, com varanda suspensa para uma noite especialmente quente na metrópole. A sós, a dois ou compartilhando a lembrança, a poeticidade das composições de Adriana chamam a solidão íntima para a valsa das reminiscências. 


Em "Perfil"coletânea de sucessos da cantora, as faixas desfilam o sentimentalismo, que paira sobre cenas rotineiras da composição pelo olhar aguçado e minucioso de Calcanhotto. Enfatizando o nome, "Perfil" traça o retrato da subjetividade poética da cantora. Cartas rasgadas, retratos devolvidos, xícaras quebradas, discos arranhados e vestígios de perfumes; longo é o inventário de rastros do sentimentalismo de Adriana. A cinza das horas, imagem poética de Manuel Bandeira para os restos de um carnaval, estão marcados no ritmo de “Vambora”.


A força do memorialismo e do pisar às brasas repetem-se na carreira musical de Calcanhotto. “Nada ficou no lugar” entoa o início da célebre “Mentiras”. Na faixa, o inventário do presente contrasta com o inexistente que já se desfez na armadilha no tempo. Uma bela reflexão para nosso momento em que nada está no lugar. As letras de promessas de desassossego em nome do retorno do outro pode parecer um sinal de relacionamento abusivo, mas a meu ver, as artimanhas do eu-lírico são puramente artificiais: a ameaça é para a lembrança. A sombra que paira e invade sem pedir licenças, nem escusas. No final, só restam as cinzas. 


Adriana desvenda cenas da paixão a partir da exploração do sentimentalismo, emoções intimamente ligadas ao objeto. Quando tudo desaba, pede que cartas sejam rasgadas, o estilhaçar da memória que insiste em penetrar as páginas escritas repletas de ternura. Ainda se pisa nos cacos. Quanto ao retrato - não sabe-se se ainda o tem – enfatiza: devolva-me. É o perfil subjetivo em desejo de se totalizar após a fragmentação. Laços de desatam, vestígios são apagados. A Fênix ressurge das cinzas.


A voz de Adriana resgata a lembrança arredia que foge do esquecimento. Subjetivo e memorialismo flertam com o sentimentalismo poético no ser que se vê em contemplação dos restos do inexistente. Ritmos bem explorados acompanham a versatilidade, e sabem dançar a trilha da melancolia; a poeticidade em sua potência máxima. A melancolia e a nostalgia equilibram-se nos trapézios de Adriana Calcanhotto. A compositora alastra as cinzas das horas, mas também sabe ser terça de Carnaval. E o melhor: não nos pede devolva-me. 

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