\\ CRÔNICAS
Peinture acrylique, abrstraction et sentiments pour les grands singes, Guy Leroy
Caso queira entender do que se trata essa seção de"PEDANTISMO", sugiro que entre aqui.
Às vezes quando vejo o topo das árvores tremulando, bem nestes dias assim, que o bafo do verão é varrido por uma brisa distante das vagas azuis, breves e quase estrangeiras, já me arrepia a espinha no simples toque do zíper da mochila à procura de um agasalho ou qualquer outra pele artificial pra me cobrir, boquirroto, do frio que se anuncia, da chuva que se exclama, da mágoa do céu de que, a esmo, molha as calçadas e telhas preenchendo de vida e água aquilo que é apenas fruto de lágrima — e matéria do sonho.
Mas não é curioso que confiamos a olhos, dedos, narizes e paladares o que pior está para acontecer sobre nossos corpos e desejos? Não é, talvez, peculiar, inusitado, e ao mesmo tempo, saboroso, termos na época de jogos virtuais, de individualidades exponenciais e de cérebros artificiais de todas e quaisquer matizes — cachorros-quentes, plantas, filmes coreanos, livros ocultos e dietas milagrosas para o emagrecimento e o autoconhecimento — ainda aquela impressão imprecisa, aquele sentimento atônito, aquela vontade incontrolável de se meter embaixo do telhado ou por entre as cobertas macias do edredom, quando ouvimos o pequeno murmuro de nuvens entrelaçando os dedos e firmando o abraço, se preparando para desabar em choro?
Num texto muito bem-escrito por homem com mais de cento e cinquenta e sete anos, sendo no mínimo cento e vinte e um destinados a escrever sobre o cotidiano de penitenciárias femininas e mais cento e trinta e sete protagonizado um serviço de saúde “eficante” à sociedade — aqueles que vivem enfurnados no mundo dos memes e das memórias do comum-artificial devem saber de quem falo —, ele coloca em questão o fato de sermos, em essência, criatura e quiquiriquins vidrados no horizonte, e naquilo que, potencialmente poderia não fazer ou muito bem ou muito mal. Algo que do ponto de vista da evolução humana — afinal, temos mais de cem mil anos de espécie; embora apenas uns dez mil anos como filhos de Deus, segundo uns donos de televisão e vendedores agência de turismo evangélicas —, faz todo sentido, uma vez que é preciso se defender, se resguardar e se proteger para perpetuar sua própria vida e aquela que é do seu próximo (sua mãe, seus irmãos, sua esposa, seus filhos et cétera et talz).
Mas aonde se meteriam as imagens, os sons, as mensagens de nossos sonhos e pesadelos nesse bololô de evolução e nesse papo conveniente de propagação espécie? Seriam, à semelhança de nossos instintos e vontades mais primitivas, símbolos e abstrações da vida que levamos quando estamos acordados e, assim, de alguma forma antever aquilo que se fará presente nesses dias e nessas noites? Ou ao contrário, estariam relacionados a áreas mais profundas de nosso consciente e subconsciente, que não se prostrariam em meramente reproduzir a vida de forma mais singela e objetiva, mas, sim a direcionar a propulsão de voos impossíveis, cuja impossibilidades do corpos e limitação do tempo transformam-se em asas, farras, penas e garras de tudo aquilo que almejamos de mais profundo em nossas cavernas obscuras de “eus” impenetráveis?
Mas e quando sonhamos que vemos alguém, nos encontramos com alguém, e conversamos com alguém distante de nossos dias e longínquo de nosso pensamento? Seria mero alerta onírico para nosso cotidiano incerto? Ou, quem sabe haveria uma outra porta por onde a socialidade e interação se dão para além concreto gasto da realidade? Bom, seja qual a forma que lhes apetece a curiosidade e indaga a dúvida, devo-lhes dizer que nas últimas três noites estivera com três conhecidos de graus de parentesco diferentes (amigo de escola, conhecida de ex-namorada, e primo de sangue) e nas três ocasiões, reproduzi fielmente o script descrito em sonho e já até senti aquilo que sentira naquelas noites sobre o travesseiro...
Seria obra de destino ou mecanismo de algum déjà-vu mal-resolvido? A saber...
Sensações do verão
Balançam palmeiras;
Melodia se anuncia:
Coloram roseiras.
André Vieira
(Créditos foto da capa: Pomme et citron, Juan gris)
Commentaires