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Foto do escritorAndré Vieira

Sensações do verão - André Vieira

\\ CRÔNICAS


Peinture acrylique, abrstraction et sentiments pour les grands singes, Guy Leroy


Caso queira entender do que se trata essa seção de"PEDANTISMO", sugiro que entre aqui.


Às vezes quando vejo o topo das árvores tremulando, bem nestes dias assim, que o bafo do verão é varrido por uma brisa distante das vagas azuis, breves e quase estrangeiras, já me arrepia a espinha no simples toque do zíper da mochila à procura de um agasalho ou qualquer outra pele artificial pra me cobrir, boquirroto, do frio que se anuncia, da chuva que se exclama, da mágoa do céu de que, a esmo, molha as calçadas e telhas preenchendo de vida e água aquilo que é apenas fruto de lágrima — e matéria do sonho.


Mas não é curioso que confiamos a olhos, dedos, narizes e paladares o que pior está para acontecer sobre nossos corpos e desejos? Não é, talvez, peculiar, inusitado, e ao mesmo tempo, saboroso, termos na época de jogos virtuais, de individualidades exponenciais e de cérebros artificiais de todas e quaisquer matizes — cachorros-quentes, plantas, filmes coreanos, livros ocultos e dietas milagrosas para o emagrecimento e o autoconhecimento — ainda aquela impressão imprecisa, aquele sentimento atônito, aquela vontade incontrolável de se meter embaixo do telhado ou por entre as cobertas macias do edredom, quando ouvimos o pequeno murmuro de nuvens entrelaçando os dedos e firmando o abraço, se preparando para desabar em choro?


Num texto muito bem-escrito por homem com mais de cento e cinquenta e sete anos, sendo no mínimo cento e vinte e um destinados a escrever sobre o cotidiano de penitenciárias femininas e mais cento e trinta e sete protagonizado um serviço de saúde “eficante” à sociedade — aqueles que vivem enfurnados no mundo dos memes e das memórias do comum-artificial devem saber de quem falo —, ele coloca em questão o fato de sermos, em essência, criatura e quiquiriquins vidrados no horizonte, e naquilo que, potencialmente poderia não fazer ou muito bem ou muito mal. Algo que do ponto de vista da evolução humana — afinal, temos mais de cem mil anos de espécie; embora apenas uns dez mil anos como filhos de Deus, segundo uns donos de televisão e vendedores agência de turismo evangélicas —, faz todo sentido, uma vez que é preciso se defender, se resguardar e se proteger para perpetuar sua própria vida e aquela que é do seu próximo (sua mãe, seus irmãos, sua esposa, seus filhos et cétera et talz).


Mas aonde se meteriam as imagens, os sons, as mensagens de nossos sonhos e pesadelos nesse bololô de evolução e nesse papo conveniente de propagação espécie? Seriam, à semelhança de nossos instintos e vontades mais primitivas, símbolos e abstrações da vida que levamos quando estamos acordados e, assim, de alguma forma antever aquilo que se fará presente nesses dias e nessas noites? Ou ao contrário, estariam relacionados a áreas mais profundas de nosso consciente e subconsciente, que não se prostrariam em meramente reproduzir a vida de forma mais singela e objetiva, mas, sim a direcionar a propulsão de voos impossíveis, cuja impossibilidades do corpos e limitação do tempo transformam-se em asas, farras, penas e garras de tudo aquilo que almejamos de mais profundo em nossas cavernas obscuras de “eus” impenetráveis?


Mas e quando sonhamos que vemos alguém, nos encontramos com alguém, e conversamos com alguém distante de nossos dias e longínquo de nosso pensamento? Seria mero alerta onírico para nosso cotidiano incerto? Ou, quem sabe haveria uma outra porta por onde a socialidade e interação se dão para além concreto gasto da realidade? Bom, seja qual a forma que lhes apetece a curiosidade e indaga a dúvida, devo-lhes dizer que nas últimas três noites estivera com três conhecidos de graus de parentesco diferentes (amigo de escola, conhecida de ex-namorada, e primo de sangue) e nas três ocasiões, reproduzi fielmente o script descrito em sonho e já até senti aquilo que sentira naquelas noites sobre o travesseiro...


Seria obra de destino ou mecanismo de algum déjà-vu mal-resolvido? A saber...




Sensações do verão


Balançam palmeiras;

Melodia se anuncia:



Coloram roseiras.


André Vieira




(Créditos foto da capa: Pomme et citron, Juan gris)


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