\\ CRÔNICAS
Pintura de farol vintage, PublicDemainPictures.net.
Caso queira entender do que se trata essa seção de"PEDANTISMO", sugiro que entre aqui.
Foi num desses verões paradisíacos, costurado por concretas orlas de farofas e idílicas praias desertas, onde o sol racha o lábio ressecado pela vodca de garrafa PET e a sunga se enfia fundo nas nádegas quando fazemos um mergulho perto da borda, que eu lhe conheci; disperso e afoito pelo preço d’água de coco e, quem sabe desiludido com o vendedor de picolés caseiros que lhe cobrava — como quem bradava por injustiça cometida por árbitro distante ou bandeirinha vesgo — a bagatela de sete mangos por um quitute de gordura hidrogenada sabor limão-creme.
Ângelo, que de santo só tinha o calção florido por pétalas magenta-cor-de-rosa e a voz angelical dum homem prestes a perder a estribeiras pela maior injustiça da humanidade — morrer de calor porque não tinha “as bufas” pra afastar o belzebu —, parecia representar ali naquela beira de praia d’bueiro a verdadeira boca do inferno com a fúria daqueles que só os endiabrados pela farinha e devastados pela tempestade sabem:
— O senhor tem a pachorra de me vender a disgrama dum sorvetin’ por 7 conto? C’é louco, meu. Pega a visão, bróther: com essa grana toda, pego no mínimo uma latinha de puxo e dois gês de chá, se liga nas ideia’, cachoeira! Cê tá bostejando aqui na minha orelha, tá ligado? Ninguém nesse ô do borogodó desértico vai te pagar essa fita; te enxerga, meu irmão!
O carrinho rubro alado ostentando a logo da Kibon na sua lateral tingida pela ferrugem oceânica, e puxado ligeiro pelo cocheiro moreno de olhos minúsculo e semblante jovial é posto no chão. Duma hora pr’outra, a alegria ardente e o sorriso presente pelo carregador de gélidas delícias estanca como a tinta branca, ainda fresca, da lateral da carroceria que pingava areia afora:
— Me escut’aqui, campeão, quem faz os preços na região não é a gente, a gente só redistribui a parada pra rapaziada. (Um sorriso floresce na cara coberta pelas rugas do moço) Mas, se cê acha um “espertalhão mesmo”, desses dos brado’, vai lá na padaria comprar teu mousinho de dez conto lá, muleque.
Do deboche do moço dos picolés, só se ouve o revoar de asas santas de Ângelo sobre o vendedor de aba reta: jab de guarda aberta, defesa na couraça alada refrigerado; cruzado arrebatado no pedaço de vassoura, guarda retomada e esquiva esquia, como bailar de nuvens no céu carregado; gancho com o boné de frentista imundo em punhos, salto em retaguarda, preparando o próximo lance da capoeira; voadora com os dois pés em direção ao peito moreno, enganchamento preciso, das garras do frigorifico na carne, daqueles dos profissionais da lona e da grana, golpe de misericórdia com sorriso sádico; santo, santo, santo caído por terra.
Uma cusparada na orelha do playboy de cabelo dourado, uma multidão de curiosos desenxabidos vendo o vermelho do crânio correr ao mar e eu, bestado louco pra fazer média com anjos e demônios, floridos e curtidos, altos funcionários das indústrias de enlatados gelados e molecões desembetados a sabições, vou zunindo buscar o tal “mousinho” do santo sobre lona.
Esgoto aberto, peixes mortos revirados por moscas e caranguejos inteiros, daqueles que dão uma boa casquinha de siri com piraquê, carcomidos pela subida da maré e pela a curiosidade enfadonha de crianças levadas que tomavam a carcaça do pobre crustáceo a suas alucinações monárquicas; e o nosso herói, Ângelo dos Santos, desacordado pelo contragolpe fulminante pelo chofer de chicabon.
Chacoalhada de “leves” na nuca. Entrega da devida prenda gélida. Paz entre gregos endiabrados e troianos rubros-morenos, puxadores de sorvete. Agradecimento esquálido. Texto adaptado.
E
Paz na terra a todos os seres.
( E a ti também Victor Heringer, aonde quer que esteja)
PS: Estive ausente por conta d’uns motivos pessoais bem sérios e umas pontudas agudas, que impedem a gente de sair da cama, de preguicite pré-pré-carnaval — se bem que a temporada de foliões já foi aberta na cidade MARAVILHOSA. Bom de qualquer forma, à despeito de todas as críticas à nossa programação pedantil (pedante + infantil) e as milhares de e-mails, cartas e mensagens instantâneas de WhatsApp nos agradecendo por ter tirado do ar aquele encosto sem-futuro, estamos de volta.
UM GRANDÍSSIMO vinte-vinte a todos e todas. (menos por Jean Maël que não me responde os e-mails.)
Negociata
Lenços de Dublin.
Pingente posto em cliente;
Beiços de Cetim.
Ângelo dos Santos
(Créditos foto capa: Natureza Morta com prato de cebolas; Vincent Van Gogh)
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