\\ CRÔNICAS
Sei que essas lembranças fazem parte de mim porque penso nelas tomando café ou esperando o elevador. Sempre sorrio em silêncio.
Por Guilherme Tauil*, Especial para Frente & Versos
Imagem/ Reprodução
Não me lembro de quando ouvi Chico Buarque pela primeira vez. Mas guardo na memória o momento em que o compreendi como letrista — isto é, alguém capaz de enfileirar certas palavras em determinada ordem e causar no outro uma vontade desmedida de chorar, por exemplo. Eu completava doze anos e tinha acabado de descobrir meu mundo ao me dar conta da homofonia escondida em “Cálice”. Maravilhado com o jogo de palavras e revoltado com a demora do mundo em me revelar as possibilidades da língua, achei uma coletânea de minha mãe e aprendi a escutar música. O ouvido atento, a mente curiosa, o corpo todo aberto, disponível.
E então senti a necessidade de compartilhar aquilo com os outros moleques do mundo. Criei o maior acervo de vídeos sobre Chico no YouTube e passava os dias digitalizando entrevistas antigas, fuçando acervos alheios, recolhendo fitas VHS de tias-avós e me encontrando com contrabandistas da música popular brasileira em becos escuros, que me ofereciam registros inéditos de shows que nunca existiram.
À frente também da primeira comunidade em homenagem ao Chico no Orkut, esse ilustre falecido, passei a receber mensagens de gente que nunca vi me agradecendo por tudo. Nunca antes tinham me agradecido por tudo. Uma moça desiludida do amor, uma professora de Santiago, um rapaz goiano que desistira do suicídio, casais que se apaixonaram ao som de tal música, uma Luísa com S em homenagem à canção do Chico, e não à do Tom, que é com Z. Eu tinha virado um depositário internacional de histórias buarqueanas.
Sei que essas lembranças fazem parte de mim porque penso nelas tomando café ou esperando o elevador. Sempre sorrio em silêncio. E quando acontece de elogiarem um texto meu, agradeço satisfeito e digo baixinho para ninguém escutar: aprendi com Chico Buarque.
* Cronista e pesquisador, é autor de "Sobreviventes do verão" (Zepelim, 2015), desenvolve mestrado em literatura brasileira na USP e mantém no YouTube o maior acervo digital sobre a obra Chico Buarque.
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