\\ CONTOS
O telefone tocou algumas vezes durante a semana. Para ser mais exato: cinco vezes. Das três que atendi, duas ligações eram da Ana Maria atrás do Gael.
Por Affonso Duprat, Especial para Frente & Versos
A Ana Maria, famosa por ter seus impulsos semana sim, semana não, ligou no telefone fixo de casa, num improvável apitar deste objeto condenado ao ostracismo familiar, foi uma nostálgica surpresa escutar aquele toque. “Alô, pois não…”. Mal terminara a pergunta, subiu a voz ardida da Ana Maria, “Você sabe por onde anda o Gael? ”. De fato, não sabia. Fui perguntar qual era a do sumiço do Gael. Um engano que me custou duas horas ao telefone.
Na manhã seguinte, ainda intrigado, tomei o mesmo telefone fixo e liguei para o Otto – que também possui um fixo, e se assustou quando, pela segunda vez, o aparelho voltara a vida de pois de anos. “Otto, você sabe o que aconteceu com o Gael? ”. Otto também não sabia, conversamos por uns minutos; “A Ana Maria me ligou ontem à noite, ficou meia hora reclamando à beça”.
Sem paradeiro, o telefone fixo de casa tocou pela segunda vez em dois dias. Das duas uma, ou era o Otto ou a Ana Maria. Havia acabado de falar com o cupincha. Não fazia sentido de sê-lo. Deixei quieto, naquela manhã estava saturado de trabalho e os pacovás estavam cheios da Ana Maria. Fiz um café quente e terminei o bolo de fubá.
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O telefone tocou algumas vezes durante a semana. Para ser mais exato: cinco vezes. Das três que atendi, duas ligações eram da Ana Maria atrás do Gael. Uma era da operadora vendendo serviços. Resolvi boicotar de vez o fixo. Escrevi ao Otto “Não atenda seu fixo, pode ser a Ana Maria”. Não havia o que fazer, contou-me o companheiro. A polícia já tinha sido acionada. Gael estava perdido.
Na quinta-feira à noite, como de costume, fomos bater papo na casa da Teresa. Eu, Otto, Maria José e o Cláudio. Entre as bruschettas e outros comes e bebes à base de trigo, a Maria José não resistiu uma fofoca e pôs lenha na fogueira “E o Gael que sumiu! Deve ter endoidado com a Ana Maria, ela não dava sossego a ele”. O Cláudio concordou, disse que o companheiro Gael havia se desentendido com a moça. Eram amicíssimos, mas um atrito o colocou para correr.
“A Ana Maria é uma pessoa difícil, inventa cada paranoia”, todos concordaram e começaram a contar os causos à medida que as lembranças vinham à memória. Ali, coisa rara, todos possuíam ainda telefone fixo, só por conveniência. Contaram dos longos telefonemas recebidos da amiga paranoica e caso fossem o Gael, em hipótese, tratariam de sumir também.
Conversa vai, conversa vem, concluímos. O sumiço só poderia ser por conta própria. Gael havia apagado as redes sociais. O e-mail voltava. Nem os mais íntimos sabiam de algo. Mesmo aqueles que, provavelmente, poderiam escondê-lo como já acontecera, porém, desta vez, negaram também contando da busca telefônica incessante da Ana Maria.
Decidimos voltar na linha do tempo e apurar os mínimos detalhes daquele suspeitíssimo desaparecimento. Nada fazia sentido, para começar pelos telefonemas da Ana Maria, pelo fixo. Ela nos tinha no celular. E Gael, um garoto tão virtuoso, assim, sumir do nada?
Pensamos. Bebemos vinho. Demos uns bons tragos. O telefone tocou. Teresa, num ímpeto, disse “Só pode ser a Ana Maria!”. Uma ligação, duas, três, quatro. A persistência venceu. Teresa atendeu, todos estávamos mudos, com olhos e ouvidos atentos, o viva voz ligado. “Alô, Teresa, finalmente alguém me atendeu…”. Era o Gael, estava nas Ilhas Gregas, ele falava do celular da Ana Maria. Avisou-nos para esclarecer à polícia o seu sumiço. O celular da Ana não havia sido furtado, nem nada. Num entrevem, possessa, ela atirou seu aparelho da janela do apartamento. Gael, de pirraça, pegou o seu e sumiu. Fizemos um complô, contamos tudo para a Interpol, não deu nem tempo da foto de Gael sair por aí, “Missing”, antes disso Ana Maria já havia descoberto tudo.
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