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Foto do escritorMatheus Lopes Quirino

O Clube da Escrita

\\ ENTREVERES

Nesse clube da escrita, o show era garantido duas vezes por semana

Por Matheus Lopes Quirino


Ao invés de guitarra elétrica, contrabaixo, violão, tamborim, cuíca, triângulo, piano, bateria, baixo, percussão; foram lápis, canetas esferográficas, stabillo, bic, blocos de notas, caderneta, papel sulfite, reciclado, Canson, gogó e xícaras de café. Não foi o Clube da Esquina, melhor ainda, foi o da escrita. Quatro semanas juntos. Quase um pequeno Reality—Show...

E tudo começou pelo começo. Como se espera – mesmo que, para alguns, a primeira aula tenha sido a última. Ainda nesta, uma nuvem penetrante pairava sob aquela sala do terceiro andar do Sesc Pinheiros. Como um reality, já na segunda semana, sobreviveram perto de quinze narizes, aqueles cuja nuvem não os tragou. E seguimos assim. Sem nuvens. Naquele aconchego literário, cada vez mais perto uns dos outros, irradiando saberes e salamaleques.


“Você é o professor Xavier, e nós somos os mutantes”, cravou logo na terceira aula a Jô Bertolli, que estava ali para refinar tua escrita, não deixando de esticar a prosa, por vezes sendo a “do contra” em alguns dos poucos consensos que ocorreram ali. O mais impressionante deles, irrefutável, foi o curioso fato do professor Xavier não ser careca.

Quatro semanas, repito. Neste meio tempo, o Lula foi solto, o flamengo avançou na Libertadores, o dólar subiu, Walter Mercato morreu e teve quebra pau no Chile, na Bolívia e no Peru.

Discutimos tudo isso. E a mais calorosa discussão se deve ao fato de que alguns dos integrantes do Clube da Escrita enfim souberam quem era a “Jeniffer”, do Tinder, mas também quem era a Jessica, do Biro do Cavaco – que eu não a conhecia. Confundiram as duas. Mas não só elas. Entraram no balaio da confusão nominal, a exemplo, o Júlio com o Felipe, a Joy com a Jô, o Lé com o Cré, etecetera.

Tudo se acertou na última aula.

Não dava mais para disfarçar (explode coração!) com “querido”, “amiga”; já sabíamos ali quem era quem, quais eram seus credos, bandas de Rock, crimes & pecados. Sabíamos que a Andrea chegava atrasada e que tira as cartas do Tarot, que o Guilherme hospeda um Waze na cabeça, que a Carol tem o mesmo sobrenome do Mario Sergio Conti, que a Márcia e o Wagner não se desgrudam e juntos formam um combo lírico de ternura e elegância.

Naquele Clube da Escrita, com a devida dianteira maiúscula, teve de separação à reencontro da paixão.

Os textos não mentem e, por vezes, desnudam seus donos, também os denunciando, caindo por chão o anonimato. E, a cada semana, a turma surgia com histórias que transcorreram no cemitério, na sala de operações do metrô, em funerárias, bares, no Rio de Janeiro, até mesmo na sauna – um assunto cabeludo.

E contando sobre as aventuras, o Antônio Carlos, que foi bater um papo com o administrador de uma funerária, não se enfezou ao responder o dono da “Vá com Deus”, “Até outra hora!”..., tendo ele replicado “Espero que devidamente vivo”. Logo aprendemos a destilar o humor ali, sendo a acidez o sabor que agradava (e engraçava) o paladar.

Gargalhadas, gargalhadas, rárárárárá. Era só a Maria Paula resolver contar uma história, e pronto.

A dona dos colares parecia ter saído daquela Copacabana que assistimos em “Tapas e Beijos”, ela se daria bem apresentando um late show ou tocando uma coluna de comportamento no lugar da Tati Bernardi. Eu apoio, o André também.

De fato, a ala carioca – como batizou a Maria Paula – trouxe boas histórias. De lá, também, é o Maurício, segundo elemento da dupla de dois, a primeira pessoa que conheço que compartilha uma bizarria antes tida como pessoal. Ei-la: cachorros se parecem com seus donos. Às vezes, um pleonasmo.

E para além da troça, das rimas e dos troços que caíam sob um crivo que denunciava deslike pelo silêncio, a ternura guiou talentos que fizeram das sessões do Clube da Escrita um verdadeiro divã, uma incursão ao mundo sentimental, terra, por vezes inabitável, dos afetos e das memórias. Como quando, pela primeira vez, sentimos o perfume de uma flor selvagem, e por ela viajamos de volta a um passado esquecido e distante.


Desse canteiro de enorme talento, a Sibélia, a Lila e a Roseli nos pegaram pela mão e, com doçura, não perderam a oportunidade de ruborizar rostos, arrancar suspiros, mexer com os olhos que lacrimejavam de canto, abriam soslaios.

O que é bom dura pouco. E, felizmente, o Clube da Escrita não acabou em pizza, mas sim em duas rodadas de chope e várias rodadas pelo Largo da Batata. Enquanto a madrugada dava o rumo e se estendia, aqueles corações escribas tiraram do papel pequenas histórias que, descobria-se aos poucos, se cruzavam por muitas coincidências. Nasceu em uma mesa de bar fuleiro um Clube da Escrita, depois de quatro semanas de convívio, um primeiro parágrafo de romance, rimas sem sentido, um portenho que administrava um templo budista, algumas improvisações e uma selfie do grupo, como um remake da pintura “Última Ceia”.

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