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Minha primeira vez

\\ CRÔNICAS

Desejoso de que a vida agora ande em pernas-de-paus a rasgar as nuvens e eu desembeste a viver com o peito escancarado

por Maurício Detoni*, colaboração para Frentes Versos

OLHAR. Detalhe da pintura 'Marieta', de Renato Rodyner.

De um azul esfumaçado, a penumbra pairava no ambiente. O lugar exalava o frescor do inédito, do inexplorado. Ali eu estava, pensamentos em inércia, a observar em paz os caminhos da vida e do tempo - compositor de destinos.


No canto esquerdo da sala, luz em degradê até o breu, lá estava ele, só, vestido em vermelho-sangue,  a me espreitar, de soslaio, os movimentos do inconsciente. Alguns passos em sua direção, desanuviando a vista nos ajustes mentais, percebo que alguma melancolia lhe visitara os olhos que agora me fitam de frente e me penetram as pupilas a invadir o recinto das emoções.


Com cuidado e espreita, pergunto o que quer de mim? Ele, então, se aproxima a dois passos e diz: entrei na sua sala para que possa me perceber. Podes receber minha visita?, fez a pergunta encerrada na moldura de um esboço de sorriso. De olhos marejados e numa repentina e frenética masturbação de sentimentos, abro os braços e o recebo como parte de mim mesmo, desejoso de que a vida agora ande em pernas-de-paus a rasgar as nuvens e eu desembeste a viver com o peito escancarado, coração em sobressalto e respiração ofegante.


Permanecemos ali por muito tempo, juntos no alto, nos percebendo únicos, eu embalado em seus braços regozijando o valor da existência pela pura e simples razão de existir. 


Naquele lugar, então, a penumbra do desconhecido deu licença aos raios brilhantes do sol da experiência e meu primeiro encontro com o amor se deu, finalmente, neste salão interior, no regaço iluminado da poesia, dentro de mim.


*É cantor e compositor.


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