\\ CRÔNICAS
Rebelei-me novamente contra aquilo tudo e, não mais no automático, passei por um período de abstinência
Por Matheus Lopes Quirino
Era minha vez de abrir o biscoito da sorte. Não sei bem ao certo o que me deu, se era indigestão ou mau agouro. Não queria esfarelar aquele brinde de restaurante japonês com uma apertada só. Pensava que ali, depois de ler o papelzinho com a triste notícia – sempre presumo que virá algum revés –, então debandaria a outras artimanhas. Pois, como chiclete, não iria sair tão fácil da minha cabeça que “Eu teria um ano do macaco”.
Mas a história do biscoito começou anos antes. Quando nem biscoito era, sim uma revista de adolescentes, passada de mão em mão, não com mulheres nuas, mas com um horóscopo que, excitante, acalorava os mancebos naquele pequeno pátio da escola, onde ia formando uma turba, cada vez mais ruidosa.
Resisti à curiosidade. Jogando fora com a fé naquele negócio qualquer interesse no horóscopo. Não queria saber do alinhamento dos planetas, da pressão transcendental, do desarranjo de ascendentes e sóis, das luas todas, nem do ano do macaco. Disfarcei, cético, exilando-me ao canto dos cantos, quase camuflado com os jornais colados na parede. Gritaram para a minha extremidade – é sua vez! Cedi.
E já rodeado por um grupo de fuxiqueiras astrais, tive ali minha vida desnudada sem nenhum pudor. Pois qualquer palavra dita ali, no ato da consulta, às cegas, poderia ser usada contra mim, no final daquele escarcéu. E, como tudo começou no biscoito, não seria diferente com um tosco horóscopo de revista teen. As previsões não estavam boas. E isso acabou com meu ano astral.
Divididas, as esperanças foram para o ralo quando, no ano seguinte, a revista impressa acabou. As gráficas deram adeus. Parte da equipe foi demitida, inclusive a astróloga. E, daí em diante, aquelas que tinham sempre debaixo do braço a revista teen, então passaram a empreender no ramo, não de revistas, de horóscopo.
Mapas Astrais personalizados. Tarot. Simpatias e antipatias – mais comuns as segundas, naquela aborrecência. E tudo passou a ter uma explicação com base no mapa. “Você é indeciso pois seu ascendente é em libra”, “Você é esquentado porque as casas do seu mapa estão em Áries”, e por aí vai.
E não demorou para que essa história astral fosse longe (demais). Agora, o Fulano não era mais o Fulano do atletismo. Era o Fulano aquariano. E aquele colega tão pretencioso, narcisista, por vezes canastrão, tudo bem, ele era do signo de Leão, com ascendente em Leão, lua em Leão, não tinha outro jeito de ser.
A história da revista Capricho estava ainda na cabeça, quando, mandando todos os planetas às favas, subi a voz numa das poucas vezes, com minha amiga astróloga. “Ele é um filho da puta porque é de gêmeos, e a lua dele é...”. Não aguentei, “A lua dele só se for em caralho, o ascendente em porra, a vênus na puta que o pariu”.
Explodi. Como se um meteoro tivesse atingido toda a calma e paciência que alguém do signo de touro hospeda dentro de si. E discutimos durante uma tarde, pois a culpa não era das estrelas, sim das pessoas. E, tolinhos, todos passavam a desacreditar em si mesmos, dando aos astros os créditos ou culpas de suas ações.
Felizmente, houve um fim da loucura. A mesma amiga que antes se informava por blogs ou horóscopos de revistas, enfim, comprou um livro e tomou aquilo como missão guia para seguir como uma moicana. E não lembro exatamente quando, depois de idas e vindas entre horóscopo e leituras de mão amadoras, topei com o Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, onde, ninguém mais, ninguém menos, é Oscar Quiroga o responsável pelo horóscopo.
Virei um leitor diário do portenho. Tendo muito recorrido a ele em um período nebuloso da graduação em jornalismo, talvez os astros não estivessem fáceis e nós, meros mortais, como o suflê no forno, precisaríamos de tempo para crescer e nos acertarmos, cada qual em sua respectiva forma. Aleatoriamente consulto as estrelas, não olhando para o céu, mas sim para o papel. E tem dia que o jornal está para banheiro de gato, como o horóscopo.
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