\\ ENTREVERES
Embora já antológicos, dormir e ir para cama, de fato, viraram mesmo dormir e ir para cama (zzzz), no sentido de nanar, não nhanhar
Por Matheus Lopes Quirino
Do léxico familiar – mais precisamente, nesta deixa, o amistoso – muitas vezes damos a surrupiar, reutilizar e usufruir boas (e criativas) palavras coringas. Duma boa engorda etimológica, de região para região, os colóquios inventados ou não chegam para designar uma série de eventos, coisas, pessoas, ações e o que vier à cabeça – ou ao gargalo da linguística popular, das entranhas e caraminholas dos chavões parceiros, batizados pelas variações e designações, essas polissêmicas até os radicais, principalmente quando se cisma que mexerica é bergamota, mexerico é fofoca, e “xerico” é qualquer coisa inventada por sua avó.
Mas o vocabulário, dia-dia, vai se afunilando, paupérrimo, cheio de gírias: some o rebuscado e cheio de pompas. As gírias, nesse compacto, passam a fazer o que muitas orações e “palavrões” costumam não dizer, hoje – e bem fazem! Enquanto os ditos palavrões, esses com as aspas, claro, não compete ao “indizível” numa crônica, embora, pedagogicamente, os palavrões pareçam ser o sinônimo da completude lexical, como quando macetamos os cotovelos na quina da porta. É uma ocasião doída e indizível, nos espaços mais cânones, claro. Pois nada como um sonoro “Caralho, puta que pariu”, feito apaziguador mor das dores da consciência. A dor e a repreensão podem ser causa e efeito, no caso: da porta, impreterivelmente.
Posto o desabafo tido como reflexo aos momentos de infortúnio, à baila destas laudas, atentemo-nos aos sentidos dos palavrões, dum cético linguajar à didática zero quilómetro. Vale, novamente, desencaracolar as aspas dos palavrões do parágrafo acima, quando estes não são uma ofensa, ou algo feio. Digo palavrões do tipo: inconstitucionalmente. Mas o que diabos isso seria, se não: tá errado, porra.
Saindo da lição pardal indecorosa, deu-se o fim da linha aqui, já bancado um paupérrimo acadêmico nessas linhas vãs, ou vãs linhas. Não importa. A segunda ocorrência de paupérrima ganha a deixa, pela terceira vez aqui, já na ponte dos assuntos que vem e vão a este cronista, quando as trapeiras são ponto final do esquema da crônica: lambança. Contudo, esse palavrote (contudo…) que nutro asco, embora seja um divisor de assunto, ou uma coleira da objetividade, me bagunça, tipo paupérrima, que pode dizer um monte de coisas – para uma próxima, vale esquentar o banco.
Mas agora, vamos ao foco de vez para, enfim, dar cabo do que deveria ser dito logo na primeira deixa, não fosse a frustrada explanação sobre estas palavras esfrunchadas; fecho com essa criação minha, em itálico.
A crônica, então, teoricamente começaria aqui: Do arlequim etimológico contemplemos o “lê-lê-lê”. Embora, sinceramente, não saiba a correta forma de sua redação. A expressão inventada por uma amiga – aquela mesma que vira e mexe cá aparece, neste espaço calhorda, com suas unhas compridas, burlescas, de francesinhas e pintados, dos gestos obscenos – rendeu discussão há um tempo. Seria o “lê-lê-lê” redigido dessa forma? “lê-lê-lê”, “lelele”, “lêlêlê” ou, custo até pensar: “l’e-l’e-l’e”. Fica a critério do caro usuário, conforme as necessidades aflorem ou, porventura, a ocasião faça o ladrão.
E assim seguimos o balaio de cá, mas o leitor deve ainda se perguntar: o que diabos é esse tal de “lê-lê-lê”. Simples, darei alguns receituários esclarecedores, tentemos chegar aos cem, com o intuito de sanar as curiosidades. Lá vão, de primeira leva à guisa da cozinha, com os chavões como: afogar o ganso, melar a colmeia, molhar o biscoito, gratinar o canelone, descascar a mandioca, cozinhar a salsicha, agasalhar o croquete, amassar o kibe, pôr a jurupoca para piar (e peixe pia na pia?), passar o espeto na farofa e muito mais.
Dirá um chefe, exigente, também sobre o “lê-lê-lê” ter a ver com dar uma salgada, uma bombada, uma fermentada, uma bisnagada. Um tapa na tarraqueta. Mas outros preferem bater um papo cabeça, ou fazer um Tchaca tchaca na butchaca. Diretos. E tem gosto para tudo, nos conformes do “lê-lê-lê”, sem preconceitos ou conceitos, só pimba na gorduchinha, na magricelinha, na fofucho ou no esbelto. Para todos os lances e circunferências, assim como gêneros, a neutralidade está em voga em clássicos como: rala e rola, vuco-vuco e nheco-nheco.
Para os mais diretos, dá-se logo trepar de uma vez. Ou friccionar as coisas, fazer um lepo lepo, meter-se um amor gostoso, subindo paredes, com a faca entre os dentes, ou uma rosa, porventura. Há aqueles que preferem os cravos brancos ou detestem flores. São práticos e nada românticos: querem é transar, ponto. Na selvageria das quatro paredes, sodomizando e expelindo feromônio, suados, como uma cópula na savana, ou um “lê-lê-lê ferino”, dissera certa vez a colega dona do termo, a meu ver, revolucionário.
Creio que embora já antológicos, dormir e ir para cama, de fato, viraram mesmo dormir e ir para cama (zzzz), no sentido de nanar, não nhanhar. Ir para a cama é o trunfo da polissemia. Agora a pouco irei para a cama, e isso não significa absolutamente nada… ou melhor: tudo. Posso ir morder a fronha do travesseiro, ler Jane Austen, dar uma festa, um furdunço, fazer yoga. Deixemos de besteira.
Há outras formas de explicar o “lê-lê-lê”, como chanflar ou dar um fight, segundo o léxico popular do início dos anos 2000. Seguindo a série, literalmente, encontra-se também fazer o canguru perneta, na pegada do Sai de Baixo, esta série consagrada, capitaneada por Mariza Orth e Miguel Falabella. Das quase cem expressões prometidas, ficará para a próxima deixa este caldo instigante do léxico safado. Por enquanto, creio que o “lê-lê-lê já fora sacado. Demos cabo de um outro, o sarará, na próxima deixa, pois nenhum trocadilho, em seguida, soará menos infame ou mais esclarecedor.
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