\\ INFINITUDES
Clara não sabia nomear o que era a satisfação insatisfeita que sentia dentro de si, mas aprenderia a chamá-la, mais tarde, de desejo.
Por Isabela Nunes
Um punhado de crianças brincavam no ginásio semiaberto da escola. As meninas e os meninos, em rara demonstração de união, haviam se juntado para brincar de pega-pega, o passatempo preferido do intervalo. Em seus uniformes de mangas amarelas e vermelhas, lia-se as iniciais de um respeitável colégio de freiras. Havia um grosso cano branco, no espaço entre a entrada para o banheiro feminino e a sala de lanches, que se fixava à parede desbotada com folga o suficiente para servir de cativeiro às crianças azaradas que fossem pegas. Os prisioneiros ficavam ali, atrás do cano grosso, esperando uma mão que viesse tocar a sua e lhe estendesse a liberdade.
Depois de muita espera e de muito correr, vulnerável, para lá e para cá, Clara finalmente foi capturada. Deixou-se levar, contente, pelos braços dos dois meninos mais bonitos da turma e se enfiou ansiosa pelo buraco do cano branco. Clara não sabia nomear o que era a satisfação insatisfeita que sentia dentro de si, mas aprenderia a chamá-la, mais tarde, de desejo. Pensou em como estava frágil, ali, esperando que alguém a tomasse, e sentiu um arrepio delicioso pelo corpo. Havia feito questão de se espremer no canto mais apertado do cano, o ar se comprimindo tanto quanto podia em seus pulmões ofegantes, para que pudesse sentir o cárcere em todo o seu esplendor. Imaginou a si mesma em um vestido rosa bufante, os cabelos dourados e cacheados se espalhando pelo vento, as mãos se esbarrando forte contra as amarras, e estremeceu. Viu, com o canto do olho, a passagem da camisa errante de Eduardo, o doce menino que fora o primeiro a amá-la, e fechou os olhos, com pressa, esperando espantá-lo. Ela não queria ser resgatada, não queria que nenhuma mão a libertasse. Queria permanecer para sempre uma donzela em perigo, presa por trás de um cano branco apertado que a prensasse cada vez mais, até que todo o ar se esvaísse, até que desmaiasse, até que fosse somente fraqueza frágil. Vinícius veio e a empurrou contra a parede. Disse: não saia ainda, você está presa.
Se Clara soubesse como, teria gritado de prazer.
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