\\ ENTREVERES
Dia de lamentar a segunda-feira, o domingo tem seus altos e baixos
Por Matheus Lopes Quirino
Hoje é domingo. Dia de acordar com os olhos remelentos depois do despertador. Se antes, antes do despertador – se é que há despertador aos domingos. Se há, domingo é dia de ir à feira, comer pastel de carne com vinagrete, tomar caldo de cana com limão, andar letárgico por entre as barracas, feirantes, gritarias e movimentações. Aos puxões ou empurrões, às vezes, a feira já é assunto para crônica em si.
Mas hoje é domingo. Aos que atiram longe o despertador, é dia de ir tomar café na padaria do bairro, caminhando, de boné e óculos escuros. Aos domingos somos turistas em nossas próprias casas, o dia começa meio estranho, principalmente para aqueles que pulam o café da manhã, acordados por algum fator externo – a fumaça do churrasco, o desafinar da voz de alguma tia metida ao canto lírico, os móveis sendo arrastados propositalmente para você, trabalhador, acordar.
É domingo. E acordamos tarde com muita culpa porque acordamos tarde. E não há nada a se fazer. A comida está no forno, a pia repleta de louças sujas, latas de cerveja amassadas, plásticos retorcidos com pequenas gotas de sangue de alguma carne que, provavelmente, deve ter sido queimada pelo seu tio metido a churrasqueiro – ele vê Masterchef, e nada mais, o programa é reprisado aos domingos.
Na mesa de domingo, reparem, há um resto de salada murcha no fundo de uma travessa de vidro. Metades de limão Taiti amassadas, com os gomos já secos, como fios. Há também, no canto da pia, uma garrafa de (boa) pinga um tanto mais vazia. A alegria passou pela casa, a exceção dos corações partidos que bebem para esquecer a tristeza e se afogam na melancolia.
Hoje é domingo, tarde universal da tristeza brasileira na televisão. Os programas de domingo nos canais abertos. Em casas “de família”, sim, ainda há um espaço para as lamentações daqueles personagens que têm suas mazelas exploradas por programas que constroem casas de plástico ou dão algum paliativo para alegrar aqueles pobres corações. E nada mais.
Hoje é domingo. Amanhã é segunda-feira. Hoje é dia de caminhar pelas vias interditadas da Av. Paulista, subir em um patinete – que, antes, não era um, sim uma patinete, esse meio locomotor mudado de sexo gramatical, virando tal macho pronominal a altas velocidades pelas calçadas, um perigo.
Domingo é dia de ver jogo na arena ou no sofá. Dia de secar, gritar desnecessariamente. Domingo é dia de falar mal do parente que se ausentou à mesa, relembrar histórias (ou estórias) do arco da velha. Creio que você, leitor teen/millenial – se houver, é claro – não sabe o significa esta expressão “arco da velha”, sigamos, para dúvidas: vá ao Google.
Cânones do domingo. Pela manhã – feira-livre, filas no mercado, levar o cachorro ao parque ou praça, ver algum outro dono fazer merda não catando a merda do cachorro (há briga por isso). Ainda de manhã, meados do almoço, as dúvidas: almoçar ou não almoçar fora, eis a questão. Agora, meio-dia, tudo bem.
É não achar mesa disponível no restaurante cool da rua dos Pinheiros. 13:30, marca o relógio. Espera de uma hora – alterações à parte, assim como couvert, serviço do garçom, músicos, etc. O jeito é debandar para uma segunda opção com uma pequena dorzinha no coração por não ter almoçado naquele lugar, postado aquela foto, para aquela pessoa ver… que você é cool… vai almoçar no restaurante cool… no domingo. Isso quando ela já não está com você.
Domingo é dia de lamentar a segunda-feira. Domingo é dia de almoçar com a mãe, ou a sogra, ou os amigos de longa data, ou ir a algum encontro mais para o meio da tarde. Pegar uma sessão de estreia no Cine Belas Artes, tomar sorvete depois. Andar quarteirões, ver gente de todas as tribos, feições e credos.
Uns compram o Estadão na banca. Outros, vão à Igreja da Santa Padroeira. Alguns vão ao clube praticar esportes coletivos, pedalam e pagam caro na água de coco. No Rio de Janeiro, domingo o Centro está vazio, Copacabana se enche e, quase em Ipanema, é dos maiores prazeres tomar café da manhã no Forte, depois de passar pelo mercado de peixes, cumprimentado Carlos Drummond de Andrade em seu eterno bronze.
Domingo. Você está no ônibus, uber, taxi, de bicicleta ou patinete a caminho da Av. Paulista. O dia está bonito, quente e ensolarado. Os casais gays andam de mãos dadas, classes sociais se misturam naquela caldeirada humana que borbulha os cardumes mais robustos. É muita gente na rua. Há show por lá no domingo. Arranja-se uma pequena felicidade em uma esquina qualquer, como um sorvete despois do cinema, por exemplo.
Por um instante, enquanto o espírito buliçoso e pantagruélico do meio do dia do domingo não possui seu corpo em tomadas serelepes de “be wonderful”, ecoa no pé d’ouvido uma musiquinha “Hoje é domingo pé de cachimbo, cachimbo é de ouro”. Engana-se. O cachimbo era coisa fina. Hoje, debaixo da Praça do Ciclista, no elevado que divide a Av. Paulista, Consolação e Dr. Arnaldo, sinto, debaixo daquelas trevas ali também é domingo e o cachimbo não é de ouro.
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