\\ ENTREVERES
Precisando abrir mão de queijo, faca & cia., a lembrança aperta quando a companhia fica no eterno outro lado da mesa
Por Matheus Lopes Quirino
Estar em casa literalmente vinte e quatro horas por dia torna-o mais longo. Há ócio de sobra e ele acaba cozinhando, ora sim, ora não passando do ponto. O que nos leva a ressuscitar saudáveis brincadeiras analógicas, como pega-varetas, o stop, o banco imobiliário, o jogo de adivinha.
Claro, existem outras saídas para passar o tempo entre quatro paredes, atividades que vão desde subir pelas paredes a lavar louça suja – literalmente ou, aproveitando o mesmo teto sob o silêncio, discutindo relação. Estando tudo bem no ramo acasalar, resta aos organizados – que já deram conta da casa – somente admirar seus reflexos nas taças límpidas e... sujá-las com um pinot noir.
Para quem? Oferecer jantar? Como pode? Simples, presenteie(m)-se. No entanto, a saudade vira prato principal e, ao que cabe os taurinos, esse signo do zodíaco que leva fama de glutão, é escarafunchando dispensa e livro de receitas que brota uma seleção de memórias involuntárias. Quedas gastronômicas diretas ao estômago repleto de flores, frutas, mel e queijo brie.
Romântico, barroco, rocambolesco, comentava com o André sobre essa descida ao mundo terreno da gastronomia, o jardim das delícias proibidas em tempos de quarentena, quando nem se pode comer uma gororoba qualquer na padaria. Na outra ponta disso, vem a imagem da massa com ricota e nozes do Martin Fierro, a água inunda a boca. E ele lembra o autoflagelo gastronômico revestido em lembranças.
E antes fosse só um problema de restaurante, resolvia-se com delivery. Mas, em tempos de fogões deligados e tímidas mesas, penso nas vezes que a turminha se reuniu para comer a pizza do Fabio, cujo trabalho primoroso na cozinha encorpa a receita com duas variedades de manjericão, o roxo e o verdinho.
Não só a pizza do Fabio, também o arroz negro da Cris, os seus aspargos verdes fritos no azeite e temperados com pouco sal. Cozinheira de mão cheia, ela que costuma fazer boas mesas é entendida de combinações. O vinho que dá certo com a sardinha, o espumante que vai bem com o salmão.
A Cris e o Fabio se revezam nesse jogo de panelas, às vezes Isabella chega arriscando no brigadeiro mole entre os dois. Só não pode meter a colher. E falando em doce, como será que anda a cozinha da Sibélia?, que prepara uma geleia de mexerica encorpada e aveludada, sempre levando consigo pãezinhos para degustarmos com a iguaria que vem do seu quintal, lá do Embu. Penso também no que a Maria Paula, nossa anfitriã de clube da escrita, anda fazendo para a pequena Denise, que deve perguntar dos bolos feitos pela Márcia e pelo Maurício.
O Xavier eu sei que não vai de improviso, outro dia publicou uma tostada elegante em sua conta no Instagram. Outro jornalista que se vira nos trinta é o Humberto, que ensina a não ferver a água para fazer chá, mas isso ele não sai postando. Quem também lá está flagrando os próprios pães é o mesmo Maurício, boleiro de mão cheia na cozinha, chute certeiro na escrita. Aos que têm o prazer de consumir as histórias da trupe, como contei em outra ocasião nessa crônica, igualmente põe os babadores e arregaçam as mangas, pois quem comanda a cozinha no apê da M.P é a Andréa.
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E esse montão de gente, bons de prosa e garfo, faz falta. Hoje mesmo lembrava do strogonoff do Nathan, que usa como base para fritar as cebolas e alhos picados na manteiga francesa, dando a primeira fritada no frango, assustando-o. A segunda é uma flambada com conhaque. Depois do fogaréu, tudo fica em repouso até que o jantar vá à mesa. Hmmmm.
Gostosuras que pertencem à memória. Sinto o cheiro das cebolas fritando, o arroz negro sendo cozido, o bolo cheiroso de maçã, as tábuas de queijo, pãezinhos, antepastos. Precisando abrir mão de queijo, faca & cia., a lembrança aperta não só o estômago quando a companhia fica no eterno outro lado da mesa. Sinto até falta de lavar aquela panela classe A da Polishop...
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