\\ CRÔNICAS
E venham mesmo, tragam seus compatriotas, os enroladores. Os pervertidos, os malucos. Tragam todos.
Por Affonso Duprat, Especial para Frente & Versos
Solidão, Didier Fay-Keller
Aporrinhadores do mundo, uni-vos. Eu pago. Endereço: Rua das Bergamotas, XX. É a minha casa. Venham para cá, todos vocês. Comprarei a cerveja de pior qualidade para que, no dia seguinte, vocês arrotem metros cúbicos. Queimação. Azia. Vou comprar também aquela mortadela gordurosa, típica de boteco do centro de São Paulo, mas dos ruins. Vocês merecem tudo isso e muito mais. Vocês não valem o copo em que bebem. Aporrinhadores do mundo, uni-vos em confraria nos salões petrarquianos de minha casa, afinem bem os trajes, de lustroso garbo, debandem aos poucos do vernissage. Eu pago tudo, insisto. E venham mesmo, tragam seus compatriotas, os enroladores. Os pervertidos, os malucos. Tragam todos. Os tão mais ou menos, aquele povo que se acha no direito de iludir os pobres corações das filas que dobram quarteirões em busca de emprego. Unam-se todos em um campo de futebol, debaixo de uma chuva de escaravelhos e impropérios dos mais brazundangas. Não façam o Macunaíma, aí que preguiça de vocês, gente chata, vão ver se o autor está lá na esquina. A casa é de vocês, vejam, acomodem-se, reclamem, reclamem. Falem que a vida de vocês não presta mesmo. Com tudo debaixo do travesseiro, dente podre. A fada não presta. Haja açúcar no café, gente de mal gosto que fica tomando de canudinho de plástico bebida quente. Faz mal para a saúde. Aporrinhadores do mundo, venham logo para cá. Se apoderem de todos os móveis, joguem bilhar em cima da minha coleção de relicários de porcelana, comam minha comida e tomem todos os meus vinhos trazidos da França. Usem meus casacos de lã ou couro legítimo. Rasguem os originais que nunca tive coragem de publicar. Só não me envergonhem, por favor. Independência ou morte. Me deixem em paz, já aluguei um quarto de hotel e comprei tampões de ouvido.
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