\\ CADERNO DE ANOTAÇÕES
Quando muito se lê o mesmo texto, está o olhar condicionado ao que se pensa, não se vê
Por Matheus Lopes Quirino

Para fechar esta coluna, semanalmente, preciso me programar, apanhar anotações, traçar um plano e, só depois, começar a escrever. Queria que assim fosse, com essa perfeição premeditada, cujo cálculo nos atos revelasse, ao final dessa dura equação que é escrever, o mais límpido texto, o que não é o caso. Tratando-se de crônica, a inspiração vem em momentos inoportunos. Estando eu de bobeira, vou lá e me livro dela — da ideia, da coluna da semana. O problema é que às vezes acordo no meio da noite com uma ideia, e não dá para arquitetar um texto com envergaduras.
Quase sempre o negócio surge de um ímpeto — vou fazer. Como agora, domingo de manhã. Acordei para atender ao chamado de uma virose que me acomete, estou preparado para a segunda rodada do sono. Na cama matutando, tive essa ideia, que seguirá límpida (espero), no próximo parágrafo.
O André sempre me fala em nossas ligações diárias “Você comeu o R de novo”, quando não acrescenta “E o S, o E, o I”, e por aí vai o alfabeto. Ele se refere aos erros de digitação, comuns, tratando-se de alguém, como eu, que dispõe de muito graus de hipermetropia. Parece que estou faminto. Logo uma frase rocambolesca do tipo: “Madame Lynch devorva seus cpcakes de tâmaras”, sai sem A e U. E acumulo centenas de equívocos assim, sabendo que, amanhã, ou através deste texto, eu cometerei alguma maluquice do tipo, um errr di digestão.
Outro dia escutei o Antônio Prata falando disso, o quanto a corretora de suas crônicas o salvava de erros de menor importância. Afinal, uma hora a vista está cansada, viciada, e nada mais lemos do que apenas está em nossa cabeça. Pratinha foi livrado, inúmeras vezes, de linchamentos gramaticais e ortográficos pelos olhos habilidosos de sua corretora, ou segunda leitora.
Os escribas não têm culpa. Em tempos de excessiva carga de trabalho e baixa remuneração, o tempo é um fator precioso que é consumido por outra fome, não a de palavras, mas a da rédea curta que as redações são regidas. Não é toda redação que se tem uma hábil professora de português, como era o caso da Folha de S.Paulo, bem disse, era.
Continuamos como podemos. Em um ofício que cada vez mais endossa os erros, os corretores estão com dias contados. Aliás, faço um apelo público, para a canonização de seres dessa espécie, bem como um aumento no piso salarial de gente que, no último minuto, salva um texto da completa desgraça formal. Aliás, obrigado, André, pela leitura das colunas. Agora só espero que você continue meu primeiro leitor semanalmente, caso não, os demais me desculpem a vista que agora chama ao sono.
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