\\ ENTREVERES
Em Taubaté, a “cidade da mentira”, há quem ainda acredite em fantasmas.
Por Matheus Lopes Quirino
Alguns vão seguir a vida não acreditando em assombrações. Céticos confessos, um pertencente a essa safra é o velho Chico, hoje com glaucoma, humor cáustico e osteoporose, ele ri enquanto palita os dentes no bar do Maralvo, na Lapa, e fala “Só acredito vendo”. Desdenha do que chama de “comércio das almas”; “Nunca vi”, reforça ele, mesmo tendo sido usuário de lentes grossas por toda vida, com quase uma dezena de miopia.
E o Chico vendo ou não, tem gente que jura de pé junto ter escutado tilintares, arrastadas, grunhidas e até gemidos vindos de não se sabe onde. Dos causos listados, a Rafaela, então com 15 ou 16 anos, certa vez chegou espavorida na sala de aula e resolveu abrir o jogo. “Gente, tem um fantasma lá em casa! Todos os dias, perto das 3 da manhã ele aparece, o chuveiro abre sozinho”.
E sem mais detalhes, eis que o Otávio, que hoje tem um escritório de investigações particulares – um sucesso em Taubaté, a cidade da mentira –, perguntou para a menina de onde vinha o barulho, completamente intrigado, desde tenra idade. “Você não acredita, vem do quarto dos meus pais! Mas nessa hora eles estão dormindo!”.
Sem tirar conclusões precipitadas, o menino, que depois namorou com a Rafaela, resolveu ir a campo dar rumo em suas investigações, embora suas suspeitas carregassem veridicidade insuspeita. No ápice da curiosidade juvenil, aos fins de semana, ele ia posar na fazenda da Rafaela. Assim o Otávio, que já havia ganhado as graças daquele casal cinquentão do banheiro assombrado, não precisou de muito para pegar o fantasma, que além de abrir chuveiro, gemia de um jeito estranho – foi o que revelou o copo de requeijão, por detrás da porta do quarto dos pais da Rafaela.
Tendo o fantasma desaparecido, não demorou para a Rafaela descobrir que iria ganhar um irmão temporão. “Aí, não vejo a hora da cegonha trazer meu lindo irmãozinho”, avermelhava-se de ternura, a menina que, em seus 18 anos, recebia presente do papai Noel, não comia carne na sexta-feira santa e participava da caçada aos ovos de páscoa.
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Além de não acreditar em fantasmas, o Chico, o ceguinho do começo da crônica, criou os filhos, diz ele “Assumindo todas as responsabilidades”. Não à toa o então jovem senhor quebrou uma clavícula ao derrapar do telhado da casa de veraneio, nas festas natalinas de 1984. “Mamãe, mamãe, papai Noel levou um big tombo”, falou o Carlinhos, filho do Chico, até se dar conta de que era o próprio pai o papai Noel. “Fui consertar uma calha, só isso”, conta o Chico, porque ele não acredita no bom velhinho.
“Só papai”, diz a dona Felipa, matrona da família Assis, enquanto desmente o marido. Ela garante que antes ele era o mais supersticioso dos homens, andava com um punhadinho de sal grosso no bolso para espantar assombração, vestia-se de papai Noel todos os anos – com direito à pança e longas barbas grisalhas – para agradar as crianças, colocava moedas debaixo do travesseiro dos meninos, era a própria fada do dente. Só o coelhinho da Páscoa, dona Felipa conta, que o então jovem Chico nunca deu bola. Mesmo, conta ela, tendo promovido caçadas memoráveis, enrubescia a matrona, na busca pelos ovos de páscoa no vaivém da toca dos coelhos.
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