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Dedicatória

\\ ENTRELINHAS


Por Giovana Proença

"As duas Fridas" (1939), Frida Khalo.

À voz que lê as presentes palavras em voz alta

À mamãe que me ouviu chorar e não foi ao berço 

À papai que chegou um dia como furacão e bateu na mesa

Ao vizinho que contou que eu coloquei fogo no rabo do gato

Ao menino que colocou a mão por dentro da minha saia 

À professora que disse que ateei fogo no rabo de cavalo da menina

Aos vizinhos que ouviam as batidas que vinham da casa 

À moça da venda que viu os olhos roxos 

Às garrafas que se estilhaçavam na parede

À tela de cinema que assistiu quando ele me beijou 

Ao relógio que badalava triste na parede

Ao homem que me deu o anel 

Ao fotógrafo do casamento que registrou quando agarrou meu pulso

À recepcionista que o viu beijar a loira no lobby

Ao travesseiro que viu as lágrimas

Ao travesseiro em que ele deitou ao meu lado aquela noite

Aos olhos de adultério

Ao garçom que viu a barba dele ralando meu rosto 

Ao taxista que me viu chegar em casa 

Aos que ouviram os gritos 

Aos dedos na garganta 

À testemunha que entrou e viu os dedos no gatilho 

Ao ruído surdo que invadiu a sala 

À bala que se instalou na parede 

À mancha de sangue como tela 

Ao escritor do meu epitáfio, cujo trabalho em muito facilitei

Ao júri que agora escuta as presentes palavras lidas em voz alta.

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