\\ ENTRELINHAS
Por Giovana Proença
À voz que lê as presentes palavras em voz alta
À mamãe que me ouviu chorar e não foi ao berço
À papai que chegou um dia como furacão e bateu na mesa
Ao vizinho que contou que eu coloquei fogo no rabo do gato
Ao menino que colocou a mão por dentro da minha saia
À professora que disse que ateei fogo no rabo de cavalo da menina
Aos vizinhos que ouviam as batidas que vinham da casa
À moça da venda que viu os olhos roxos
Às garrafas que se estilhaçavam na parede
À tela de cinema que assistiu quando ele me beijou
Ao relógio que badalava triste na parede
Ao homem que me deu o anel
Ao fotógrafo do casamento que registrou quando agarrou meu pulso
À recepcionista que o viu beijar a loira no lobby
Ao travesseiro que viu as lágrimas
Ao travesseiro em que ele deitou ao meu lado aquela noite
Aos olhos de adultério
Ao garçom que viu a barba dele ralando meu rosto
Ao taxista que me viu chegar em casa
Aos que ouviram os gritos
Aos dedos na garganta
À testemunha que entrou e viu os dedos no gatilho
Ao ruído surdo que invadiu a sala
À bala que se instalou na parede
À mancha de sangue como tela
Ao escritor do meu epitáfio, cujo trabalho em muito facilitei
Ao júri que agora escuta as presentes palavras lidas em voz alta.
Comments