\\ CRÔNICAS
Meu corpo. Minha casa. Sua casa. Seu corpo.
Por Victória Novais
Beatriz é uma dessas pessoas que aparecem e se vão com muita facilidade, não por serem irrelevantes mas por serem leves. É aquele tipo de pessoa que faz todos se sentirem confortáveis, que faz todos rirem e que te abraça como irmã não importando quem seja. Ela carrega aquele tipo de energia colorida e dançante que te faz querer sair do lugar e ser um pouco melhor, sabe?
Eu não me lembro quando nos conhecemos, nem onde nos conhecemos; mas desde este dia Bia tem estado aqui colorindo e dançando perto de mim. Nosso encontros sempre foram casuais; nos intervalos da vida a gente se achava, ria e se perdia de novo - mas nunca com medo de não se achar novamente.
Bia foi a amizade de corredor mais sincera que já tive, e eu não faço ideia do porquê me sentia assim. Também não tenho certeza de quanto tempo nos mantemos nessa relação, mas um dia houve um convite.
Bia é antes de mais nada artista, é ilustradora, tatuadora, e mais qualquer outra coisa que lhe caiba ser. E de todas as possibilidades de Bias que existem dentro dela posso dizer que enxerguei e vi sinceridade em todas as que ela me permitiu ver.
A primeira vez que entrei em sua casa foi, curiosamente, o mesmo dia que ela entrou na minha. Eu estava ali a seu convite para uma sessão de tatuagem que, a meu convite, marcaria meu corpo.
Meu corpo. Minha casa. Sua casa. Seu corpo.
Marcas são coisas que sempre considerei muito importantes. Mais do que estar ali por um desenho eu estava ali porque queria que ela marcasse meu corpo, uma lembrança para minha casa daquele período da minha vida.
Foi encantador estar na casa da Bia pela primeira vez, ver suas marcas enquanto me preparava para que ela me marcasse.
Logo que entrei tive a maravilhosa recepção de Jorginho - no diminutivo Jorginhozinho - o cachorro sobrinho que Bia divide a guarda com sua irmã mais velha. Depois de dar um oi desajeitado nela, notei logo acima de sua cabeça uma jibóia linda, toda verdinha e cheia de vida.
Bia me contou, semanas depois, que aquela planta era quase um símbolo vivo de sua casa. E por ter sido a primeira planta que comprou quando se mudou, era algo que ela cuidava e se sentia na responsabilidade de manter viva.
Na parede oposta à porta de entrada está o que eu considero A Casa da Bia: Um quadro imenso e muito colorido que ela conta ter sido pintado por mais 3 amigos e fica encostado na parede atrás de duas poltronas iguais mas de cores diferentes.
Ao lado do grande quadro está um segundo grande quadro - consideravelmente menor que o primeiro mas ainda sim grande - com o desenho de várias bonecas russas também coloridas. Logo abaixo, uma cômoda de madeira escura onde ficam dispostos velas e incensos todos com sinais de uso frequente.
O contexto é colorido, com uma quantidade grande de coisas que não fazem tanto sentido assim estarem juntas, mas que ali estavam perfeitas. Em qualquer brecha existia alguma ilustração de Bia fazendo companhia para os outros objetos. Desenhos de seus personagens no vidro da janela, nas paredes, no espelho do banheiro... Enfim, ela estava em tudo.
Desde este dia tenho estado na casa da Bia com maior frequência conhecendo e me encaixando naquele espaço como se em algum ponto eu fosse parte da decoração. A sala, e o canto do sofá específico que me abrigaram todas as vezes que estive lá, foi palco de muito encontros gostosos com pessoas amadas.
Na sala tudo acontecia, tinha sempre alguém lá fazendo alguma coisa. Pintando, desenhando, batucando na mesa, passando um café. Era como se todos que passavam por ali fossem de alguma maneira parte da casa, e era nítida a alegria dela com isso.
A sala daquela casa me lembrou da artista que eu sou e que se perdeu na animosidade do cotidiano. Me lembrou da leveza das coisas e das inúmeras possibilidades de ser feliz que existem.
Eu gosto da casa da Bia porque eu gosto da Bia, e eu gosto de estar na casa da Bia porque sinto que sou parte dela. Acho que no fim marcamos mutuamente o corpo uma da outra e me alegra saber que essa troca aconteceu.
Comentarios