\\ CADERNO DE ANOTAÇÕES
Ninguém entendia. De onde chegavam, para onde iam, como nasciam. Cada vez maiores, mais roliços, ficou impossível sair às ruas
Por Matheus Lopes Quirino
Ele saltou a colina virando cambalhotas e por pouco não morreu. Caía como um gato enroscado em fiapos de grama áspera e seca, tropeçava em pedregulhos, ramas, cogumelos e espinhos. Foi um susto rápido. Estava em sua cabeça um chapéu de mágico, uma fantasia de Carnaval. Ele adorava andar por aí com ele, com a cabeça nas nuvens. Subiu na colina do bairro para ver as luzes da cidade se acenderem no final da tarde. Por um instante, tirou o chapéu: o susto. De lá saiu um gato, ele rolou encosta abaixo. Saiu correndo sem olhar para trás. Já estava escuro, talvez leões corressem para apanhá-lo.
Não tinha jeito. Precisaria voltar para apanhar o chapéu violeta. Parou um instante, arfante, joelhos e canelas sujos de terra. Lá estava o gato, em companhia de outros dez, vinte, cem gatos. Todos saíam pelo buraco do chapéu, como uma manada encantada que sabe-se lá de onde veio. Gatos e gatos. Gataiada. Gato, gaita, gata, chapéu. Tudo embaralhado. Ameaçou voltar, mas não tinha coragem. Aos poucos, a manada, ou matilha, ou alcateia, seja lá como são chamadas as montueiras de gatos, montueiras, isso mesmo. As montueiras invadiam a cidade. Saíam do chapéu dez, cem por hora. Era uma loucura pensar.
Aos poucos, os ratos foram extintos, os muros, tomados, as árvores, ocupadas por felinos. À noite se tornou ensurdecedora: miados por todos os lados. A banda dos gatos miando, não em um, mas numa centena de telhados. Era a gataiada, de pífano, de bachiana, Rock N Roll. E mais gatos chegavam. Ninguém entendia. De onde chegavam, para onde iam, como nasciam. Cada vez maiores, mais roliços, ficou impossível sair às ruas, eram milhares de gatos. Exércitos foram chamados. Aviões de guerra, carrocinhas. Jogavam gatos nos fornos, uma montanha de felinos.
Houve levantes, os tanques foram encobertos por bolas de pelo com bastante catarro. Não andavam, não atiravam. Os gatos venciam, cada vez mais chegavam. Mais gatos e gatos e gatos. Enquanto isso, o chapéu se descosturava, de tantas garras e tantas saídas. Por toda a cidade: bichanos. Dia, noite, madrugada, sempre ronronando. Os cachorros presos nas casas, as crianças em delírio. Os adultos, roncando. Dentro das casas também, pelas frestas, eles entravam.
Gatos são elásticos. Passam pelos vãos das fechaduras, portas, pelas chaminés (de quem tem chaminé). Entravam também pelos bueiros, chegavam embrulhados em verduras do mercado. Escondidos entre reciclagens. Estavam dentro e fora dos carros, dançantes, pilotos, gazeteiros. Tudo era gato ali. Até que um dia o chapéu descosturou, e acabou a graça.
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