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Exposição no IMS relembra legado do artista visual carioca através de originais inéditos em São Paulo
Por Matheus Lopes Quirino
Imagem: Instituto Moreira Salles
Talento precoce, José Carlos de Brito e Cunha (1884-1950) estreou na imprensa em 1908 como ilustrador da revista Careta. Aos 20 anos, não demorou para aquele jovem impetuoso desistir da faculdade, contrariando os planos de sua família aristocrática. Dos rabiscos rascunhados e engavetados, o desenhista enveredou pelas páginas de jornal, tendo vasta contribuição publicada – estima-se um acervo de quase 50.000 desenhos.
Em tempos de sátira política, abriu nesta terça-feira, 17, a exposição J Carlos: originais no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. Com curadoria tríplice de Cássio Loredano, Julia Kovensky e Paulo Roberto Pires, a mostra foi montada a partir de acervos particulares e de originais vindos do próprio instituto. Dividida cronologicamente na galeria 1, o passeio nostálgico pelo Rio de Janeiro dos 1940 foge do conto da burguesia que almejava uma Belle Époque tropical, e coloca J. Carlos, como à época ficou conhecido, como um artista do povo.
Ia trabalhar de bonde e, no trajeto, de ouvidos atentos, o autor se municiava dos assuntos comentados naquele “escritório locomotor”, prestava atenção no burburinho do povo, e daí era pautado. No vasto acervo, não poderiam faltar sátiras de personagens da política e da sociedade — e parece que a coisa não mudou até hoje, à diferença que publica-se em outras plataformas além do imprenso.
Desenho para publicação em Careta, 30.9.1950 Grafite, nanquim, aquarela e guache sobre papel, 35,9 x 31,5 cm Coleção Eduardo Augusto de Brito e Cunha / IMS
Da primeira colaboração no Careta, não tardou para que o menino rico passasse logo a se esbaldar em aventuras gráficas nos números mais adiante da revista. Seu traço é inconfundível, com requintes de Art Déco e fazendo referência às caricaturas satíricas da imprensa francesa, ele suscita um passado arcaico o que mais à frente foi dito na imprensa como arte tipográfica. Feitos à mão, os trabalhos do artista como molduras acabavam ganhando destaque pela precisão e despojamento.
O texto acompanhava a imagem, chamava atenção do leitor. Pela proximidade que mantinha das ruas, do noticiário, do mundo calamitoso que estava em um entrevem entre as duas Grandes Guerras, J. Carlos se posicionou contra o Eixo, criticou o fascismo de Mussolini, as ditaduras na América Latina, políticos e figuras públicas da época.
A irreverência do desenhista, nas décadas seguintes, o emoldurou como um cronista da imagem. Captava cenas do cotidiano e, rapidamente, rabiscava. De notícias e não notícias saia a crônica. Na exposição há uma variedade de originais que expõe temas delicados como o racismo da época, as negociatas dos políticos e a desordem tão pueril daquele Rio de Janeiro, então capital federal.
Mas também há divertidos desenhos que tratam as brasilidades, trejeitos e estereótipos dos Malandros, das Meretrizes, dos Ricos & Pobres, juntos e misturados, em caixa alta mesmo.
Seus personagens mais icônicos são Carrapicho e o filho Jujula, protagonistas do almanaque infantil Tico-Tico. O artista acompanhou a transição daquele Brasil rural para o início da sociedade industrial. J. Carlos não se absteve de festim, nem críticas, doesse a quem apertasse o calo. Saia na primeira página dos jornais e fazia barulho em um tempo onde não existia caixa de som.
Capa da revista Para todos, edição de 29/1/1927
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SERVIÇO
J.CARLOS: ORIGINAIS
17 de setembro de 2019, às 18h, a 26 de janeiro de 2020.
Gratuito
Terça a domingo e feriados (exceto segunda), das 10h às 20h. Quinta (exceto feriados), das 10h às 22h.
IMS Paulista
Galeria 1
Avenida Paulista, 2424
São Paulo/SP
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