'Variações Enigma' emula romance de maior sucesso de André Aciman, embora embale corações partidos
- Matheus Lopes Quirino
- 24 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jun. de 2020
\\ LIVROS
O Jovem blasé está de volta em uma versão mais velha, sem falar de maturidade e repetindo frases de efeito
Por Matheus Lopes Quirino

Paolo está obcecado por Manfred. Os dois jogam tênis em algumas quadras nas dependências do Central Park quase todas as manhãs, antes de tomarem o rumo do trabalho. Conversam pouco, timidamente vão se cercando por uma intimidade fugaz. Entre lances e golpes na bolinha verde, os dois estão nus no vestiário: Paolo está boquiaberto observando o professor alemão se despir, medindo todos os seus movimentos, conforme a toalha cai no chão e suas mãos suam pra burro.
Essa intimidade de vestiário é descrita no romance de André Aciman Variações Enigma. Ambientado em Nova York, com voltas emotivas à San Giustiniano, ilha da Sicília, na Itália, quando o garoto Paolo fica intrigado e não mede olhos cerrados, ainda inocentes, a observar o atlético e sensual marceneiro Giovanni, um garotão de bronze mediterrâneo e olhos verdes cintilantes.
Vanni é seu primeiro amor, aquele que fez sua ficha cair. E conforme o narrador tira conclusões sobre, anos depois, não deixa de requentar as lembranças com tomadas densas e vigorosas. Ele idolatra Vanni, repete isso à exaustão. As décadas sucumbem a flor da idade e, do relacionamento amigável com Maud, passa a se aventurar no jogo com Manfred que, quando conquistado, parece ser apenas mais uma etapa que Pauly superou.
O livro é cheio de vaivéns, com tomadas de tempo bruscas, como trancos e lombadas que um carro em alta velocidade na estrada é obrigado a trepidar. Paolo não sabe o que quer, realmente. E o livro é tomado por uma ansiedade forjada por um homem que mais parece um adolescente tímido, introspectivo. Ele venera, a bem da verdade, o amor platônico – se fere, volta, esmurra-se novamente. Seus pedaços parecem não fazer sentido num quebra-cabeças que ele mesmo não consegue resolver.
E não só com Manfred isso acontece. Seus homens e suas mulheres nunca o satisfazem e parecem também ficarem fixados no auto-engano. Escorrem pelos seus dedos, ele lamenta, mas está disposto a repetir a cena. E repetir, repetir, repetir. Com altas doses de bebidas caras em bares cools de Manhattan, tentando emular uma juventude típica do cosmopolita Élio Perlman. E quando achamos que algo vai acontecer. Nada realmente importa, o problema é sempre o outro. Ele parece não superar...
É um narrador debilitado, cujos desejos sobem à cabeça contaminando toda a atmosfera da memória. Apenas seu lado é descrito, os outros personagens ficam à mercê da sua libido, como se fossem fantoches fáceis demais para manipular, ao passo que as descrições perdem verdade e ganham no sentido de provocar o leitor. É uma leitura excitante, mas não no sentido literário.
De volta a Nova York, Manfred só não diz “Latter”, mas não precisa. É claro que Manfred lembra Oliver, o gigante Oliver, o perfeito Oliver, arauto de Élio, protagonista do mais famoso romance de Aciman, Me Chame Pelo Seu Nome. Como Élio, o protagonista se coloca aos pés do atleta, que descreve como muito virtuoso, impecável, um semideus, entre outros adjetivos gordos que demonstram o fascínio do editor Paolo pelo companheiro de tênis. Ele mede todos os passos do homem. É sufocante. Está completamente louco atrás dele. Lembra um stalker analógico, calculista.
Entretanto, conforme as reviravoltas da vida o sacodem feito maremoto, conduzindo-o à força às memórias da balsa de San Giustiniano ao continente, pode-se pensar, com muita compreensão, que aquele Paolo maduro é somente mais um arquétipo do homem cujo amor não realizado na infância deixa ecos que ressoam durante toda uma vida.
Ele corre à Chloé, pensa em Manfred, em seus amantes fugazes, amores platônicos. Está prestes a explodir. Choraminga excessivamente. Paolo lembra o típico cosmopolita mal resolvido ou o jovem da geração z que não acredita na monogamia, quer aventuras, viver por e para excessos, mas, ao final, como Paolo, frustra-se dolorosamente. E nada há a se fazer.
Não tem como dar certo. E o protagonista dá murros em pontas de faca, parece não saber, não se conformar. Ao contrário. Ele é irracional, masoquista emocional. Gosta de sofrer, repetir o nome do jogador de tênis, da antiga colega de faculdade. E não é o amor uma inciência? Pois bem, tendo em conta isso, ele não abre mão de fantasiar. Parece farto com o mundo real, é vaidoso, imediatista, pedante. Ele sabe que é, quer angariar a pena do leitor. Como sua vida é uma tristeza sem fim. Cabe quem está do lado de cá apenas lamentar.
Seria engraçado colocar Paolo frente a frente com algum protagonista de livro de auto ajuda. Eles se matariam, Paolo iria recusar, cuspindo marimbondos em teses prontas como “É possível ser feliz sozinho”. Depois, claro, ele iria rir. No táxi com sua namorada, Maud. Sim, Paolo é um homossexual de namoradaS. Ela sabe, ele também sabe. Ambos têm amantes. E, na lua de mel do casal, antes de Manfred, eles transavam ouvindo música brasileira. O autor frisa, só não cita Vinicius, com a deixa “É impossível ser feliz sozinho”. Ele chama pelo nome, mas não é desta vez...
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TÍTULO: Variações Enigma
AUTOR: André Aciman
EDITORA: Intrínseca
ANO: 2018
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