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[Resenha] Um corpo todo tomado pelas narrativas de Anna Muylaert em “Quando o sangue sobe à cabeça”

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Assim, Quando o sangue sobe à cabeça carrega uma linguagem viva e extremamente dinâmica ao tratar das dramaticidades do cotidiano pós-moderno.

Por Rafaela Mancini, Colaboração para Frente & Versos

Não é somente o sangue que sobe à cabeça ao ler o livro de Anna Muylaert. A escritora, formada na Escola de Cinema da Universidade de São Paulo, da ECA USP, arremata seis contos empolgantes, capazes de trazer diversas reflexões conflituosas à tona. Desde o prefácio do livro, se sabe que ele foi escrito como tentativa de estimular a imaginação para um suposto filme, que, inesperadamente acabou se tornando uma descoberta literária tremenda. Assim, Quando o sangue sobe à cabeça carrega uma linguagem viva e extremamente dinâmica ao tratar das dramaticidades do cotidiano pós-moderno.

É possível visualizar as tramas envolventes durante a leitura, como se as cenas ocorressem bem diante do leitor. Os temas rotineiros aproximam os espectadores ainda mais das narrativas. Em um cenário majoritariamente paulista, também transitando entre um condomínio do Rio de Janeiro, as histórias relatam acontecimentos típicos da vida urbana, como as relações familiares, um encontro com os amigos no próprio apartamento, o trabalho doméstico, ou até mesmo uma sessão de depilação.

A partir de diálogos rápidos, o livro, repleto de um humor ácido, aborda questões de gênero com muita peculiaridade, como noções de feminilidade e masculinidade se desdobram na sociedade atual. Assim, aqueles que lerem a obra se identificarão pelo menos com uma das personagens carismáticas de cada conto, ou se reconhecerão em alguma característica delas presente em próprias vidas.

Tópicos diretamente atribuídos ao gênero feminino ganham dimensões reflexivas uma vez que as protagonistas têm que lidar com suas sexualidades, com os problemas em seus casamentos e o com o angustiante autoconhecimento. Entram em conflito, portanto, os padrões de beleza com a gravidez; a estética com o conforto e a saúde corpórea; e a velhice versus a juventude, colocando as mulheres em disputas entre si e em busca pela perfeição feminina, longe de ser alcançada.

Diversas são as problemáticas “femininas”, que então passam desapercebidas ou são “naturalizadas” na cultura brasileira, afloram explicitamente por meio de humor trágico. O apartamento, com o trabalho doméstico, e o salão de beleza, por exemplo, se fazem cenários de abusos e violências, chocando o leitor com a realidade da imposição de gênero e da desigualdade social.

A autora não poupa reviravoltas e finais surpreendentes. Além disso, os títulos ganham duplo sentido duplo, logo ao fim das leituras. As expressões populares e os ditos do povo (remetendo-se mais uma vez à esfera do cotidiano) brincam com os “disfarces” da violência. A graça vista na infância, como em “A origem dos bebês segundo Kiki Calvacanti”, terceiro conto do livro, serve de ponto de partida para o debate de tabus e ocasiões polêmicas para aquilo que se é aceito como “correto” e “normal” na sociedade.

É possível, portanto, carregar consigo relatos próprios após a leitura de Quando o sangue sobe à cabeça. Com esta linguagem e estrutura textual bem acessíveis, além de personagens em explosões íntimas, observa-se uma série de comportamentos não correspondentes com aquilo que se é atribuído ao gênero feminino, seguindo as personagens por caminhos opostos às implantações tradicionais e levando as narrativas a lugares e soluções inesperadas.

Através dessa leitura, as fugas impulsivas das curvas fazem com que subam à cabeça do leitor não só o espanto e a indignação. Além da fervura do temperamento e da comédia, sobem também, os questionamentos e os ensinamentos sociais, transpostos de maneira eficiente para uma reflexão profunda sobre as problemáticas dos gêneros na sociedade.


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TÍTULO: Quando o sangue sobe à cabeça

AUTOR: Anna Muylaert

EDITORA: Lote 42

ANO:2020


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