\\ POEMÁRIO
Por Bruno Pernambuco
Noturno com igreja
Noite nasceu outra vez.
Anunciada nos sinos,
chegou pequena pra caber o seu silêncio.
Noite assozinhou escura,
mulherou esquecida pelos sonhos.
Escura deitou a sua sombra
sobre o dia e os seres e o que devia ter sido.
Pise com cuidado, que é pra não acordá-los.
Agora, me mantém firme onde eu estou
o peso do ouro, que derrama do céu,
o peso da vida, que emana do chão.
E o peso da noite, que está em volta de tudo.
Olha o menino Jesus, sozinho
Olha o menino Jesus, calado
Olha o menino Jesus, coitado
Olha o menino Jesus, menino.
Amanhã, o sol novamente
desfila maravilha ouritintas.
os santos santificam abertamente
as feiúras retornam à sua harmonia.
Hoje é escuro.
Hoje é escuro
e na última sala, esquecida, velas derretem a escuridão.
Dois Retratos
Na foto, parece pacífico.
Na foto parece indolor.
(A corte desfilava pela família.
Nas fotos e nas parcas lembranças
os olhos cheios de orgulho
os lábios cheios de orgulho
lembrando da corte que desfilava pela família.)
As notas lhe dão nome de mártir.
Lamentam as circunstâncias
deixam uma triste lição.
Nalgum lugar lhe chamam de santa.
O véu veste bem o brilho que ficou dentro dos olhos.
O nome combina com o cheiro deixado nas flores.
Mas na foto nenhuma morte é apagada.
Mafalda de Savóia
noite após noite salva dos reais pesadelos
por seu encantado prinz von Deustchland Filipe II.
Quanto a isso, só se sabe que trovejava na noite por trás da cena.
II
Talvez, na vida de Mafalda de Savóia,
a imaginária,
os primos tios irmãos não fossem tantos
e se envolvessem com disputas mais sérias.
Talvez no meio-dia ela não confeitasse doces sobre a bancada de mármore
pensando que as crianças já chegavam da escola
ou que L. se atrasou para a aula.
Ou no vestido que N. nunca devolveu
no emprego que V. perdeu
na morte do marido de H.
pensando…
Atrás da escrivaninha
entre os papéis vovô não tem tempo para tolices.
É todo ouvidos para a canção de ninar.
Devagar, devagar, definitivamente
não sabe não ser Filipe, príncipe da Alemanha
Dessemelhanças
Última nota não tenho de uma emoção
que nasce no silêncio até morrer
em paz de folha seca
dançando no tropeço de amar.
Me falta a última palavra de um poema que acontece
no intervalo entre o sal dos olhos
e o instante do mar.
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