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A minissérie do Globoplay conquista pelos ouvidos, um verdadeiro time de gigantes da música brasileira confere trilha sonora aos romances dignos de comédia romântica de Paulo.
Por Giovana Proença
O amor e as mulheres, intimamente ligados pelo olhar de um homem. O responsável por essa ótica é Paulo, personagem vivido pelo xará Paulo José em “Todas as mulheres do mundo”, filme de estreia do diretor Domingos Oliveira. Lançado em 1966, época do charmoso preto e branco, o longa centrado na história da paixão de Paulo pela professora Maria Alice e suas desventuras na dificuldade de abandonar a vida de mulherengo, rendeu inúmeros prêmios no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e entrou para a lista dos 100 melhores filmes nacionais da ABRACCINE.
Em homenagem à Domingos Oliveira, que faleceu no ano passado deixando como legado a consagrada carreira como cineasta e dramaturgo, a plataforma de streaming Globoplay lançou em 12 episódios a minissérie homônima Todas as Mulheres do Mundo. Transportada para o Rio de Janeiro atual, a cenografia mantém a elegância da Copacabana da década de 60, trabalho de fotografia de Mário Carneiro no original. Em sua adaptação, a possibilidade das escolhas cromáticas e a opção por cores quentes atuam como coadjuvantes no realce da tônica poética da paixão entre os protagonistas.
Entretanto, o carismático arquétipo de Don Juan que garante a comédia na película, envelheceu mal. Nos dias de hoje Paulo, papel de Emílio Dantas, é facilmente rotulado como esquerdomacho. Figura típica nos ambientes cults frequentados pelo personagem da série e no vocabulário das conversas de bar femininas: ele é sensível, tem interesse por arte – ou pelas artistas- e procura entender a complexidade do universo feminino, afinal ele próprio é um feminista e ama mulheres livres. Não se engane, o Paulo contemporâneo, esse intelectual artista carioca, ama profundamente as mulheres. Ele só não é capaz de escolher só uma, e corrobora assim com a mentalidade do Paulo retrô, que o antecede em mais de meio século, “O difícil não é escolher uma, é desistir de todas as outras”. Até aqui, sem avanços.
A musa de Paulo atende pelo nome de Maria Alice. Em Domingos Oliveira, era interpretada por ninguém menos que sua própria musa, Leila Diniz. Esbanjando a silhueta pelas praias de Copacabana, foi considerada ícone de uma década marcada pela emancipação feminina, ela enfrenta Paulo e afirma firmemente o desgosto por juramentos eternos quando ele a faz prometer não ter nenhum outro homem na vida. A verdade é que Maria Alice é livre, uma revolução em forma de mulher no cinema nacional. Sua versão 2020, elegantemente interpretada por Sophie Charlotte, é artística e independente, seu maior golpe é deixar Paulo quando percebe que estão andando em círculos; presença onisciente, é uma mulher que sabe a hora de levantar da mesa.
A minissérie do Globoplay conquista pelos ouvidos, um verdadeiro time de gigantes da música brasileira confere trilha sonora aos romances dignos de comédia romântica de Paulo. Logo no primeiro episódio Marisa Monte entoa “Ainda bem” aos tempos dourados e auspiciosos da anedótica relação de Paulo e Maria Alice. Eles giram, rodopiam e se amam ao som de célebres canções nas vozes femininas verde e amarelas. Ao final do mesmo episódio, ela parte no ritmo de “Quero que você seja feliz” da faixa “Depois”. Ao espectador resta pensar, não podemos negar, foi bom. Alcione, Maria Bethania e Rita Lee também endossam o compasso dos outros casos de amor de Paulo. O final fica por conta de Cássia Eller, a melodia de uma das mais comoventes cenas soa “Nem desistir nem tentar, agora tanto faz, estamos indo de volta pra casa”. “Por enquanto” parece ser uma definição para o casal.
Nem tudo está perdido, a poeticidade do vívido e sagaz roteiro de Domingos Oliveira eleva a obra em suas meditações - afinal é possível se apaixonar profundamente várias vezes? Paulo responde prontamente que sim.- e no desvelo das nuances incompreensíveis do amor “O que uns olhos têm que os outros não têm? O que um sorriso tem que os outros não tem?”. Todas as mulheres do mundo entrega ainda um leque de personagens femininas que não aceitam ter as asas cortadas, entre Paulo e as inúmeras oportunidades que o mundo e a liberdade oferecem, não hesitam em lançá-lo um último olhar e dizer adieu. Estamos em conflito: Paulo é um esquerdomacho bon vivant pós moderno que escreve poesias para mulheres com quem não conseguiu se comprometer no exercício da monogamia ou um desventurado sensível que tenta agarrar paixões fugitivas em tempos de amor livre e relacionamento aberto? De qualquer modo, o que não falta é trilha sonora.
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