\\ POEMÁRIO
Por Vitor Resquin**, colaboração para Frentes Versos
Tempo(Iroko)
Lavar os pés do Tempo
e se recolher à margem de sua cama,
deita o arrebol junto ao corpo,
salgado no rosto.
Banzo
São dois rios intransponíveis,
coisa que paira e bruma acumula.
A pressa ainda é menina e disfarça dor,
beijos em velame-do-campo,
mil estrelas, ainda, banzam meu amor.
Cobra rasteira
O rio serpenteia as várzeas,
sobre mim, os braços do meu bem.
Em movimento sanfonado,
toda distância é mínima,
todo caminho circular.
É de talho no peito:
vereda tropical.
Logunéde
Em leque, as penas do pavão
enfeitam as florestas de arroubos
no peito do caçador.
Ornando o percurso que se fez o rio,
são de mel, os sonhos de Logunedé.
Febre
Rumor do vento no pomar
e o olhar do cão ao prado,
a noite tinge de preto as folhas dos laranjais.
A pele da terra
e o sal escorrendo no rosto,
de macambúzio sentimento,
eu sou minha própria febre.
Espelho enterrado
Vertigens dos trópicos e a febril América Latina.
Mariposas dos sonhos cintilam ao redor do candeeiro à procura de calor.
Corpos mestiços, terra sangrada.
Rastos de meu avô Guarani
– Espelho enterrado, empoeirado, um retrato 3x4.
Ao fundo, uma Gameleira-branca alteia o vestido de minha avó.
E o Paraguai nunca esteve tão perto das mãos
– ou, talvez, tão longe.
A mão que me afaga a pele:
“duerme, duerme, negrito
que tu mamá está en el campo.”
Galgada a fronteira, o chão borbulha, meu corpo ferve.
*Todos os poemas acima fazem parte de Árido.
**Vitor Resquin, poeta, angoleiro e educador. De Embu das Artes a São Paulo, a infância. Filho de um casal da zona leste paulistana: do pai, a maldição do samba; da mãe, o terreiro; da vida, a capoeira. Autor de Naufragar como Verbo (2017, Editora Reformatório) e sua mais recente publicação Árido (2020, Editora Penalux), ambos livros de poesia.
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