top of page
Últimas: Blog2

[Resenha] Delirantes noites de verão

  • Foto do escritor: Bruno Pernambuco
    Bruno Pernambuco
  • 3 de jul. de 2020
  • 3 min de leitura

\\ LIVROS

O Verão Tardio é a história de um país, uma classe, uma cidade transformados, retalhados em seus caminhos conforme se perdia aquilo que habitava em suas lembranças, contados através da vida de um homem, também, em plena transformação.

Por Bruno Pernambuco


O escritor Luiz Ruffato - Diego Vilani.


Como Rainer Maria Rilke, em Cartas a um Jovem Poeta, definiu a respeito do “viver artisticamente”- “ amadurecer como uma árvore que não apressa a sua seiva, e permanece confiante durante as tempestades de primavera, sem temor de que o verão não possa vir depois”- é como Peninha, ou Oséias, protagonista de O Verão Tardio, é forçado a viver, num retorno à sua cidade natal de Cataguases, Minas Gerais, por uma traição que o tempo lhe cometeu. Introspectivo e reflexivo, de voz baixa e feições semelhantes, nunca chegamos a saber muito sobre esse homem, e o alívio é que ele compartilha com o leitor esse desconhecimento.


O Verão Tardio é a história de um país, uma classe, uma cidade transformados, retalhados em seus caminhos conforme se perdia aquilo que habitava em suas lembranças, contados através da vida de um homem, também, em plena transformação. Anunciando sua chegada a Cataguases com um desmaio no terminal rodoviário, Peninha perambula pelas casas de suas irmãs, Rosana e Isinha, surpresas pela chegada do parente que não se anuncia, pelo antigo hotel Continental, inesperadamente para no sítio do irmão João Lúcio, num trajeto que repassa caminhos da infância e escancara as cisões da família, que de acontecimento em acontecimento se distancia, perdidas aquelas coisas que ainda ligavam os filhos. Dos irmãos sobram só as lamentações resignadas, traduções de anos de intrigas, invejas, temores e traumas que passam não ditos, na suavidade de uma viagem nova a Nova Iorque ou de uma lembrança distante, da mítica italianada espraiando-se pela roças de Rodeiro. Peninha se conhece apenas pelo passado, e assim constantemente tropeça no presente, lembrando o descuido de seu xará da Disney, de onde surgiu seu apelido. Inferimos sua nostalgia nos longos anos em São Paulo- junto, mas sempre distanciado, da família nova, mulher e filho- ,em que ele retorna às lembranças da família como único lugar em que sente-se vivo. É só após a crise completa de sua vida, consumada com o diagnóstico de uma doença terminal, que ele mesmo vem a saber disso, e seu retorno à cidade pequena é o encontro necessário, a tentativa de fazer presente esse passado que não existe, mas que é certamente habitado.


Contrariando a precisão dos movimentos de seu protagonista, O Verão Tardio se mantém até o fim ambíguo e agridoce. A doçura das descrições de Luiz Ruffato, que com ângulos obtusos de luz compõe o retrato de um personagem que é desde o início familiar para o leitor, apesar de seu mistério, e de um espaço que se apresenta muito diretamente na imaginação, e ilustra perfeitamente a vida de suas pessoas, seus trejeitos, costumes, sua relação com o lugar e com o tempo, colore a aridez dos diálogos pontuados pelas falas muitas vezes monossilábicas de Peninha, e com isso todo o texto é carregado desse sentimento que só em alguns momentos eclode, e põe-se em evidência. Peninha, também, evoca uma contradição, ao vermos sua inquietação mexendo-se constantemente, sob a frieza de seus gestos, ações e palavras, e nenhum de seus atos é mais ambíguo que o último, a chegada de seu verão, única solução possível depois de sua exorcizante caminhada, pelas trilhas abarrotadas de fantasmas que lhe perseguiam, e momento em que ele contraria a indecisão e a falta de vontade que lhe marcam. Esse ponto final é uma demonstração da maestria de Ruffato- em nenhum momento ele parece ser único possível, nos é apresentado de forma direta, como se fosse mais um dia naquela vida, entre tantos despertares do protagonista, no entanto o que marca sua diferença é a paz, a tranquilidade até então desconhecida por Peninha no quanto a culpa vinha visitar os delírios que lhe antecediam o sono. E essa paz que embrulha o estômago o leitor, e que finaliza O Verão Tardio como uma grande questão, um abandono, dentro de si, daquele mundo que fixa-se depois da tragédia como o horizonte distante- que tarda, tarda e nunca chega...


***


TÍTULO: O verão tardio

AUTOR: Luiz Ruffato

EDITORA: Companhia das Letras

ANO: 2019

Comentarios


bottom of page