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A morte em Veneza é a condensação de conceitos filosóficos e repetição dos temas de Thomas Mann
Por Giovana Proença
Em 1929, o escritor alemão Thomas Mann é reconhecido por sua produção literária, recebendo o Prêmio Nobel de Literatura. Dezessete anos antes, em 1912, além de iniciar sua obra maior, A Montanha Mágica, publica uma das mais célebres novelas, gênero tipicamente alemão, da literatura universal: A Morte em Veneza.
Em A Morte em Veneza estão condensados os temas típicos de Mann: a morte, a doença, o isolamento e a figura do artista em crise. A densidade significativa que cerca o campo temático da novela dilui-se no seu desenrolar centrado no escritor Gustav von Aschenbach, que ao questionar sua arte e recepção dentro da sociedade sente a necessidade de viajar. Veneza torna-se o cenário escolhido, onde ele conhece o jovem Tadzio e é tomado em arrebatamento pela beleza do jovem.
Para além do enredo aparentemente ínfimo da novela, expande-se uma linguagem complexa e prolixa, típica da ironia romântica, e as influências filosóficas platônicas, citando Fedro, e Nietzsche, que emerge como representante dos filósofos alemães que eram caros à obra de Mann. Destaca-se assim o conceito nietzschiano apolíneo e dionisíaco, contrapondo a razão, presente em Aschenbac e o apelo as emoções, que surgirá a partir do conhecimento do jovem Tadzio.
Ultrapassando o campo amoroso, o deslumbramento que o escritor tem pela figura do menino, suscita mais do que o homoerotismo, e coloca notoriedade na discussão sobre a arte e o belo, tornando-o objeto de idealização. O vislumbre de Tadzio, para Aschenbach, era como encontrar-se diante da perfeição que almejava por sua arte, de modo que o rapaz provocava nele mais do desejo de tê-lo: a sublimação que o aproximava do que desejava ser.
Fundamentado pelo sentimentalismo que o acomete, começa a acender-se no íntimo do escritor a nostalgia e reflexões sobre eternidade, o belo e suas ligações. A viagem para Veneza remete ainda ao escapismo, intrínseco ao espírito romântico tão arraigado na literatura alemã, reforçada pela aura paradisíaca que a cidade italiana conquista na novela.
A escolha de Veneza como cenário da desventura de Aschenbach tem estreita relação com a visão da cidade no imaginário popular, repleto de seus canais, construções góticas e renascentistas, permeado por ares românticos. Ao amor, une-se a morte, que perpassa toda a novela com seus símbolos e mensageiros, reforçadas pelas gondolas, que remetem ao mito de Caronte, o barqueiro que guia a alma dos mortos a seu destino final.
O conflito que aflige o espírito do escritor em contrariedade com sua moral em face do sentimentalismo que o acomete encontra reverberação na epidemia que se alastra por solo veneziano, deixando a cidade isolada e ameaçando o esplendor que ela adquire aos olhos de Aschenbach. Em uma das grandes reflexões morais do escritor – que elevam a novela a beira de um tratado filosófico - comparando a paixão ao crime, coloca o caos como elemento propício para o surgimento de ambos, vendo como positivo o enfraquecimento do sistema burguês, sendo a epidemia um ambiente fora do bem-estar normal. Assim, a morte de Aschenbach representa também a dissolução de parte da burguesia europeia em decadência.
A morte conclui-se em Veneza na belíssima descrição do vislumbre de Tadzio capturado pelos sensíveis olhos de Aschenbach, que atende ao chamado do objeto de sua adoração, “Parecia-lhe que ele flutuava à sua frente, rumo ao vazio imenso, cheio de promessas. E como tantas e tantas vezes fizera, pôs-se a segui-lo.” A morte de Aschenbach em sua contemplação eleva o caráter sublime do belo como fonte inalcançável e reforça o caráter da obra de Thomas Mann como inserida num contexto de transição com resgate de valores humanistas do século XIX, em choque com a degradação burguesa que a Europa experimentava nos precedentes da Primeira Guerra Mundial. ***
TÍTULO: A morte em Veneza / Toni Kroger AUTOR: Thomas Mann EDITORA: Companhia das letras ANO DE EDIÇÃO: 2015
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