\\ CINEMA
Em “Renoir” nada é dito, tudo é conhecido pelos vislumbres e impressões do complexo trio, em conflito com seu próprio tempo: a vida que escorre, as imposições de gênero e o horror da guerra.
Por Giovana Proença
Um quadro deve ser alegre e feliz. A afirmação do pintor Pierre- Auguste Renoir é paradoxal aos tempos retratados em sua cinebiografia, permeados pela atrocidade da Grande Guerra e a obscuridade do iminente fim da vida. A impossibilidade da realização do Festival Varilux devido a epidemia e a migração para o streaming colocaram os holofotes sobre os filmes exibidos em realizações passadas da mostra de cinema francês. Em 2013, a edição ocorrida em Resende (RJ) destacou o filme “Adeus, Minha Rainha”, obra que conquistou a maior notoriedade fora da França, além de agregar a temática das artes em películas sobre personalidades como a escultura Camille Claudel e o eclipsado da vez: “Renoir”. Delineado pelas manchas e vislumbres caros ao Impressionismo de seu retratado, a estética eleva o longa. Entretanto, também o delimita como essencialmente visual.
A cinebiografia nos apresenta um Renoir já consagrado e no fim da vida, acometido por uma doença que restringe seus movimentos, afetando sua produção artística. Nessas condições - distantes do jovem pintor que junto a Monet agraciou a arte pelo expoente do Impressionismo em enfrentamento da crítica vigente - o acalento ao enfermo artista chega na presença de uma nova musa, a insurgente Andrée. Rebelde e artística, a aspirante a atriz hollywoodiana passa os dias posando para Renoir nos campos da propriedade, passando a fazer parte do convívio íntimo da casa.
O trabalho do diretor Gilles Bourdos distingue-se no realce que a fotografia e a cenografia conferem ao longa, uma vez que estão intrinsicamente relacionadas ao trabalho técnico e cromático do próprio Renoir: o abuso de tons como amarelo, verde e azul; alcançando a harmonia de cores análogas, além das lentes desfocadas, recriando as turvas pinceladas impressionistas. Os vastos campos e lagos afagados pela luz captados pelo olhar do pintor convertem-se no próprio cenário da trama, tornando-o um suspenso “Mulher com a sombrinha no Jardim”. Seguramente afirma-se que a transposição do estilo impressionista para as telas definem a estética que é o grande trunfo de “Renoir”.
Um regresso marca o início do trio em aflição que movimenta o longa de Bourdos. Jean Renoir, filho do pintor é afastado da guerra após um ferimento. Entusiasta do cinema, não demora para envolver-se com Andrée em um turbulento romance. Apropriadamente, o enredo ínfimo do filme desenvolve-se nas subjetividades e inquietações do triângulo não amoroso. Temos assim o consagrado pintor em decadência vendo-se impossibilitado de desenvolver seu ofício, o filho em conflito com suas aspirações e com o dever com a pátria e a indomável com alma artística e gosto para a grandeza limitada por papéis sociais impostos ao gênero feminino. Personagens diletantes, a arte que move suas pulsações parece conduzir a um rompante, esboçado pela partida de Andrée motivada pelo disposição de Jean de retornar à guerra. O clímax, entretanto, não se concretiza e o potencial de intensidade nas relações do trio é esfumaçado pelo blasé, em atitude típica francesa.
O recorte temporal centrado no Renoir de seus últimos tempos não favorece os espectadores que procuram no filme a trajetória do pintor francês. Nem por isso trata-se de uma obra superficial, profundas meditações sobre a arte, a vida e sua inexorável relação transcorrem durante toda a película. Em “Renoir” nada é dito, tudo é conhecido pelos vislumbres e impressões do complexo trio, em conflito com seu próprio tempo: a vida que escorre, as imposições de gênero e o horror da guerra. Acima de tudo, um retrato impressionista, só muda a tela. Um longa mais do visual do que do áudio. Nada incoerente, a resposta de seus três protagonistas para as adversidades é a mesma: arte.
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