\\ POEMÁRIO
Por Caio Aguiar, colaboração para Frentes Versos
Oceano interior
Se eu não fosse humano, seria um oceano
Misterioso gigante em cuja superfície embarcações trafegam
Navios de pensamento atravessam o oceano que há em mim
Por vezes, transatlânticos de transa, luxúria, devassidão
A todo momento, eles vêm
E vão.
Mas daquilo que existe nas profundezes
Esses levianos navegantes jamais saberão
Nem sequer chegarão perto
E isso está certo
Pois o oceano que há em mim
Esse oceano que sou eu mesmo, enfim.
Tem águas quase sempre navegáveis
Mas guarda mistérios insondáveis
Na superfície quase sempre pacífico
Nas profundezas, detém acervo prolífico
Segredos mortais, criminosos
Alguns até engraçados, bobos
O tolo sempre a correr atrás do ouro
O ouro falso sempre a seduzir o tolo
Todos os personagens que eu criei e me criaram
O homem virtuoso, o monstro pervertido
Tudo que é louvável e toda podridão
Tudo aqui está escondido.
Não posso fazer com que tudo venha à superfície
Que muitos haveriam de dizer de mim:
(e com razão)
Doido varrido!
Não, melhor que essa miríade de sentimentos
E suas infinitas manifestações
Fiquem para sempre nas profundezas
E a superfície seja sempre pacífica.
Mas muito se engana quem pensa
Que meu oceano interior não possa um dia
Tornar-se, como nenhum outro, turbulento e desordeiro
Não se trata de um oceano do qual a Vênus possa nascer um dia
A anunciar majestosamente ao mundo sua vinda
Não, que mesmo um oceano pacífico tem seus limites
E este não secou ainda!
E uma alma oceânica
Uma vez tendo encontrado em si
Aquilo que para si é verdadeiro
Não hesitará em abandonar a antiga calmaria
E, se preciso for,
Voltar-se contra o universo inteiro.
Também não um oceano
Ao qual um poeta qualquer possa perguntar:
“Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal?”
Meu caro poeta, tens aqui uma resposta oceânica:
o sal deste oceano não provém de lágrimas portuguesas
Não provém senão das lágrimas da minha própria tristeza.
Não provém senão da tortura que é a perene simulação
Não, elas não provêm de Portugal.
Mas da dor que existe em ser por dentro eternamente convulso
Em eterna transmutação
E na superfície ser forçado a apresentar-se em perene serenidade
E para sempre igual.
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