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Relato histórico bem-humorado joga luz em obra de Cándido López, artista maneta que esteve no front no Paraguai.
Por Matheus Lopes Quirino
Em tempos conflituosos, independentemente das gerações, quando o cerco apertava entre fronteiras a convocatória era geral. Não podendo recuar diante das obrigações com a pátria, artistas não foram poupados, nomes como Gertrude Stein (1879-1946), Ernest Hemingway (1889-1961) e Kurt Vonnegut (1992-2007) foram à contragosto para solo de guerra.
Não é o caso do pintor argentino Cándido López (1840-1902), estando ele no ímpeto da juventude a coragem o guiou à guisa do patriotismo & desilusões com a vida. Figura singular, ele esquadrinhou em desenhos e pinturas o cotidiano dos homens que lutaram durante a Guerra do Paraguai, muniu-se de cadernetas, registrando detalhes da zona de guerra, cujo enredo lhe custou uma mão.
Caso uma mão lave outra, a artista argentina Maria Luque trouxe ao Brasil em meados de setembro o livro A Mão do Pintor, novela gráfica editada pela Lote 42, tentativa de revisitar o legado de López. Prestigiada em sua terra natal, Luque conta a história da Guerra do Paraguai através dos olhos de seu retratista in loco, Cándido López. Didático, mas sem academicismos – como acontece em manuais de história sobre o tema –, o quadrinho conferiu à trama, muitas vezes tensa do gênero bélico, uma ludicidade cômica.
Com dores na mão, a desenhista workaholic é advertida pelo médico, sendo persuadida a passar duas semanas sem trabalhar. Mas certa manhã um sujeito antiquado aparece sem mais em seu quarto, Luque se assunta, curiosa. Surpreendida, a desenhista – que também é personagem do quadrinho – encontra o fantasma do pintor, ex-combatente de guerra, que lhe pede para terminar seus quadros.
“A mão de um pintor não pode ser substituída”, diz Luque que, durante a história, tenta se desenrolar e, esquiva, procura não seguir à risca as orientações do fantasma López, fascinado com as facetas tecnológicas do século 21. “Já eu pude. Substituí a mim mesmo”, diz ele em um dos diálogos finais. Aos poucos, a amizade engrena e ela cede aos caprichos do fantasma. Enquanto ele conta a história da guerra e menciona o tataravô da autora, médico do acampamento da argentina, a artista lhe apresenta um mundo moderno, onde as pessoas não mais se lembram do legado daquele retratista da guerra.
Gracioso e inteligente, a inocência do artista em uma zona tão hostil como a de guerra é um assunto recorrente, Maria Luque fica pasmada ao longo da história enquanto escuta sobre as tamanhas violências de um território em disputa. Ela se emociona, Cándido López transborda nostalgia.
O elo entre os dois é a pintura, o retrato social, a interação com seus tempos. López não foi um artista de grande expressão à sua época, exceto no processo de documentação da guerra – este que lhe conferiu notoriedade. Perdendo sua mão, o pintor treinou durante um ano para voltar às atividades. Com traço diferente, Cándido López foi banquete para uma crítica faminta.
Ao voltar da guerra, casou-se e teve 12 filhos; mais tarde o governo argentino adquiriu o material produzido durante o conflito para expor permanentemente no Museo Histórico Nacional, em Buenos Aires.
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TÍTULO: A Mão do Pintor
AUTOR: María Luque (tradução Mariana Sanchez)
EDITORA: Lote 42
ANO: 2019
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