\\ ARTE
Iniciativa visa incentivar não só visibilidade, promovendo diversidade nos conteúdos
Por Matheus Lopes Quirino
A composição é o fator gritante que marca uma página de Instagram bem sucedida. Eleva-se o crivo no mundo da arte, quando arquitetos e artistas visuais trabalham a esmo para promover trabalhos, mas também galerias, projetos pessoais, ongs e muitas outras inciativas. Em tempos de COVID—19, surgiu na rede social o Museu do Isolamento Brasileiro, o MIB. Com proposta avessa ao que as galerias chamam de passeio virtual, o hype guia o seguidor que passeia por telas diversificadas, seja pela natureza dos trabalhos prosaicos aos complexos e conceituais, nascidos da sede de retratar a pandemia, mas não só ela.
Luiza Adas está radiante, ela, idealizadora do projeto, segue à risca as regras do isolamento social, conversou por telefone com a reportagem e contou como surgiu o Museu do Isolamento Brasileiro, sua página no Instagram que, desde 30 de abril, congrega mais de 80 mil seguidores. Um sucesso expresso, orgânico e espontâneo, pode-se dizer, Luiza é categórica e objetiva quanto aos méritos. Sem mistérios: são seus. Não precisou quebrar a cabeça, ela que já administrava um Instagram sobre arte (@florindolinhas), sabia do potencial. Sabia, mas se surpreendeu.
“Eu ainda estou tentando processar, em três semanas recebi milhares de projetos, são pinturas, colagens, fotos, montagens”, suspira ela ao telefone. Luiza recebe cerca de 200 trabalhos por dia, “É muita coisa para uma pessoa só, até para uma máquina”, por isso ela resolveu criar um formulário. Assim, mantém a sanidade “Antes tudo chegava por DM, mas como praticamente faço tudo sozinha, não tinha condições de administrar, com o formulário é melhor”, pondera ela.
É coisa simples, direta e fácil, sem as burocracias que as grandes galerias impõem, custo zero, só não traz o amado de volta em sete dias. Debaixo da bio do Museu do Isolamento Brasileiro, está o link que diariamente centenas de artistas visuais independentes acessam. Luiza, que é formada em comunicação, sempre teve gosto pela arte, ela pode até pedir opinião para amigos e para a família, mas a curadoria é organizada pela jovem, e não para de crescer o acervo virtual do MIB.
Para um artista visual sem visibilidade, colocar a cara de sua obra no sol é um louvável motivo para comemoração, que, em tempos de COVID-19, pode puxar uma trilha melancólica e uma taça de Cidra. Mas e daí? Pergunta que não pode passar batido, todo mundo importa, frisa Luiza, que dá o feedback para os colaboradores. Na época em que só administrava o @florindolinhas, concentrava-se nos artistas locais, de São Paulo, do Sudeste. Hoje, ela recebe arte de gente de todo o Brasil – e de fora dele, também.
Desde pequena, Luiza Adas gostou de artes. Estudou Relações Públicas, mas era na Fine Arts, em Boston, que passava as tardes de quarta-feira aprendendo e contemplando o acervo da instituição. Do estágio nos Estados Unidos, ela voltou ao Brasil com a pulga atrás da orelha. Como sempre esteve dentro do circuito alternativo de artes, o @florindolinhas passou a dar visibilidade para amigos seus, amigos de amigos, conhecidos, ou quem mandava um DM.
Inspirado no projeto The Covid Art Museum – que mantém uma dinâmica parecida com a versão brasileira de Luiza –, que publica obras que só têm a ver com a quarentena. Ou seja, o leque se fecha um pouco para seguir fielmente a proposta, que vai bem. Há cerca de dois meses o The Covid Art Museum já publicou quinhentas contribuições, tendo mais de cem mil seguidores no Instagram. Para padrões de galeristas é um número muito expressivo.
“Publico trabalhos que são feitos na quarentena e de antes dela também, o mercado de arte geralmente é muito exclusivista, claro, há exceções que dão espaço e apoio para artistas independentes, principalmente hoje, mas essa ainda não é a regra”, opina a criadora do Museu do Isolamento Brasileiro. Para ela, agora é o momento do setor se unir para passar com sanidade o isolamento: “Só a arte tem esse poder, essa força para manter as pessoas em casa, manter a mente funcionando...”. Luiza vai além, depois de quase um mês à frente de seu projeto, ela conta já ter planos para depois da quarentena. “Quem sabe materializar esse Museu, seria algo muito bacana, mas por enquanto é só uma ideia”, diz ela, reconhecendo as primeiras conversas com gente do mercado da arte. Mas ainda é muito cedo para previsões, em tempos de pandemia, a ciência tem a palavra final.
Por enquanto, Luiza pede opiniões para familiares, troca figurinhas com amigos artistas e arregaça as mangas para seguir montando seu acervo digital. “Estou olhando com especial carinho para o que o pessoal do norte e nordeste me manda, eles que geralmente não têm muitas obras expostas no circuito das fine arts aqui do Brasil [o circuito é quente nas regiões Sul e Sudeste]". Respondendo à provocação do repórter, Luiza diz, sem se ressabiar, que não é artista, seu propósito é apoiar os artistas.
A utopia no país da distopia política, para quem faz arte, é uma só: sobreviver do próprio trabalho. Pagar boletos. Embora a realidade pareça contradizer e muito esse sonho, com desmontes na cultura, cancelamentos de editais, afronta a intelectuais, Luiza mantém acesa a chama que cultiva desde menina, enquanto observava os quadros da vovó Oadia.
Imigrante síria, mulher e artista, essa é a mulher que inspirou a criadora do Museu do Isolamento Brasileiro. Aos 98 anos, a senhora se emocionou quando sua neta mostrou o projeto e a repercussão dele, e disse: “Você está realizando um sonho que nunca pude concretizar”. Luiza diz ao telefone que seus olhos marejam só de contar a alegria da avó. “Ela ia escondida ter aulas de arte nos ateliês, mulher não podia naquela época, ainda mais nas tradicionais famílias que obedeciam ao patriarcado”. A conversa por telefone segue o protocolo da pandemia, desejo vida longa ao projeto, não sem antes desejar que este inferno acabe o quanto antes. Luiza concorda, afinal, a arte é a única razão para se manter sãos, pelo menos até o apagar da velha chama.
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