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Incursão no Sertão

\\ LIVROS

Em outras palavras, seria possível medir o impacto deste livro no imaginário coletivo brasileiro e nas discussões que foram postas à mesa depois de seu lançamento?

Por André Vieira

Foto de Ana Maria Guidi, especial para Frente & Versos, de Serra Talhada, Sertão pernambucano


À primeira vista, faltam termos para classificar a obra de Euclides da Cunha: estudo socio-geográfico, ensaio político-sociológico, grande reportagem jornalística-literária, relato fidedigno do massacre travado pela República Velha, tratado da fé sobre a terra ou, como Adelino Brandão apregoou, no texto introdutório da edição da Martin Claret, “Bíblia da Nacionalidade”. Malgrado as divergências para categorizá-la, é de consenso a todos que se trata de uma obra transversal da brasilidade e fundamental para o entendimento do país que, em vias de fato, sempre fomos. Talhada por jargões próprios da geofísica e bordada por uma delicada prosa que, ora desata os nós do imaginário coletivo do agreste, ora tece críticas aos “patrícios” e ao istmo que historicamente divide as classes sociais no país, a obra tida como “o monumento nacional”, no artigo O livro que abalou o Brasil: a consagração de Os Sertões na virada no século, presente na 5º edição revista Manguinhos. Não apenas é dita como tal pela guinada que produziu à época na opinião pública, desmitificando a narrativa vitoriosa do governo e trazendo à luz os horrores vivenciados no campo de batalha, mas sim por se fazer ainda hoje, três repúblicas e duas ditaduras depois, um livro imprescindível para a compreensão das estórias e negligências das elites, a influência imaterial dos povos originários da terra e a gênese daqueles povos que habitaram (e habitam) o semiárido desde de tempos imemoriais.

Em sua estrutura simples e objetiva, dividida em três grandes partes ( “A Terra”; “O Homem” e “A Luta”), o livro nos convida a conhecer os contornos físicos e geográficos da trama para então entendermos quais homens habitam aquela terra “ignota”(desconhecida): a composição entre o sertanejo, antigos colonos daquelas novas terras, com jagunços, originários paulistas que desde o século XVIII povoam aquelas bandas. Após compreendermos a dualidade do homem com o meio, que por vezes se justapõem e entrelaçam, somos apresentados à leitura das cenas de batalha. Em meio a uma paisagem desértica, num terreno “agro” (escabroso”) e de difícil acesso, a guerra ignorante não poupou vidas. Mesmo com a fé inabalável perante front desigual, tanto de homens quanto de armas, o ímpeto sertanejo é desmantelado pelas forças de Antônio Conselheiro, deixando na terra as marcas do conflito:

“O sol poente desatava, longa sua sombra pelo chão, e protegido por ela – braços largamente abertos, face volvida para os céus – um soldado descansava. Descansava…. havia três meses” (Os sertões, 2017, p. 62)

Há quem diga, no entanto, que a pluralidade de gêneros e temas abordados pela obra de Euclides não expressariam aquilo que é próprio da literatura, o sentimento universalidade literária. Um desses é o escritor Luiz Ruffato que, em entrevista a este repórter, na então segunda edição da revista Veredas, afirmou que: “[é] um enorme equívoco da crítica literária chamar os Sertões de literatura. É um livro que aborda um monte de coisa, antropologia, história, mas literatura aquilo não é”. Segundo o escritor mineiro, “Literatura pra mim é linguagem, ou seja, é quando você consegue transformar uma história qualquer em algo que é transcendental: uma história que você conta em determinado momento, em determinado lugar e é compreendida em diversas maneiras, em outros momentos e outros lugares”. Decerto, existe um contexto e um tempo histórico que são inexoráveis para a compreensão obra do jornalista e mestre de obras públicas, Euclides da Cunha, contudo, até que ponto é possível mensurar a importância dela para a formação de novos escritores, cativação de novos leitores, articulação de novas temáticas e problemáticas na literatura do séc. XX e posteriormente? Em outras palavras, seria possível medir o impacto deste livro no imaginário coletivo brasileiro e nas discussões que foram postas à mesa depois de seu lançamento? Em receio de bifurcar por alguma linha ideológica torta, parece-me mais justo deixar estas questões – e todas aquelas que hão de vir — ao entendimento doravante do passado e presente.

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