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[Resenha] Os mil sóis e sombras de Primo Levi

\\ LIVROS


Em ocasião do centenário do escritor italiano, uma antologia de poemas traduzidos e selecionados por Maurício Santana Dias é publicada no Brasil


Por Giovana Proença


Se Walter Benjamin considerava que os homens emudecidos que voltavam da guerra mudariam o ato de narrar, vinculado pelo pensador à experiência, em oposição, a prosa de Primo Levi – sobrevivente do Campo de Concentração de Auschwitz, associada essencialmente à sua vivência e ao memorialismo – reforça a importância do relato do horror ou indizível. Oferecendo uma outra face da produção literária de Levi, a editora Todavia publicou este ano, em ocasião do centenário do escritor italiano, uma antologia de poemas traduzidos e selecionados por Maurício Santana Dias, em edição bilíngue, com o título de Mil sóis.                                   

Primo Levi definiu sua poesia, heterogênea e destoante (reunida pela primeira vez em livro na década de 1970), como bissexta. Os diferentes aspectos formais revelam a constante experimentação e reestruturação na poética do autor, que tanto exprime as questões de um eu em contato com o mundo no mais alto teor lírico, quanto usa elementos prosaicos em construções próximas à narração.                                                                            

A edição bilíngue de Mil sóis permite maior análise sobre aspectos da tradução de Maurício Santana Dias, que tenta manter aspectos sonoros e semânticos, valendo-se da proximidade entre o português e o italiano. Poucos jogos de palavras são perdidos como em “A Fuga”, no qual o tradutor, em nota, explica as dificuldades de transpor os sentidos criados por Levi por meio da elevada articulação da linguagem em sua poesia.

Os sóis do escritor são recorrentes figuras e figurações nos poemas da antologia, aparecendo em diversos contextos e arranjos. O tom obscuro de perdição do homem e da solidão frente ao horror dos infortúnios e aos dilemas, em concomitância com os conflitos mundiais, geram inquietações externas e internas, que contrastam com a imagem solar e de esperança em busca por claridade e esclarecimento, refletindo o Chiaroscuro, técnica da pintura renascentista que consiste no contraste entre luz e sombra. A poesia de Primo Levi exposta em Mil sóis, é capaz de nomear e significar o inominável, encaminha-se como tentativa de aproximação e entendimento do homem, “um instrumento portentoso de contato humano”, aproximando-se do antropólogo com quem divide o nome e a visão da linguagem como instrumento no desvendamento da condição humana e suas relações, Claude Lévi-Strauss.                        

O movimento da procura por uma luz na luta contra a desesperança, reflete em Primo Levi no entendimento da natureza do homem, atingindo grau máximo e condensando-se em versos “E um homem? Não é triste um homem?/Se vive há muito em solidão,/Se acha que o tempo terminou,/Um homem também é coisa triste.”, do poema “Segunda-Feira (Lunedì)”, grafado na contracapa do livro, em oposição à figura solar grafada na capa. A poesia de Mil sóis expõe a concomitância da obra literária inserida em seu tempo histórico e que supera limites puramente ideológicos pelo destaque de seus recursos literários. Negando o sentido existencialista de Sartre, diz-se que na poética do livro a experiência precede a essência e, a luminosidade que irradia em meio ao breu da condição humana cegará o leitor em seu desvendamento.

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TÍTULO: Mil Sóis

AUTOR: Primo Levi

EDITORA: Todavia

ANO: 2019



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