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[Dia internacional do teatro] Entre Abraços

  • Foto do escritor: Bruno Pernambuco
    Bruno Pernambuco
  • 28 de mar. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 5 de abr. de 2020

\\ TEATRO

Marca dos trabalhos do grupo Dos à Deaux, Irmãos de Sangue é um espetáculo construído sobre o ilusionismo.

Por Bruno Pernambuco


[No dia 27 de março é comemorado o Dia Internacional do Teatro, data instituída em 1961. Em meio à epidemia do vírus COVID-19 e ao recolhimento social, grupos de teatro brasileiros elaboraram, para celebração da data em 2020, uma ação conjunta, em que disponibilizam na internet registros de apresentações já ocorridas, além outros tipos de vídeo sobre, ou com, seu trabalho.


A Companhia Dos à Deux, como parte desse processo, compartilha acesso a três de seus espetáculos: Irmãos de Sangue (2013), tema desse artigo; Fragmentos (2009) e Saudade em Terras D'Água (2005), obras premiadas e apaixonantes. Frente&Versos, em seu papel, tenta não apenas apoiar esse movimento, notícia bem vinda para as artes nesse momento de distância, mas, acima de tudo, desfrutar de uma companhia tão preciosa, capaz de encher de vida até os mais tediosos ou periculosos momentos de quarentena. Fica o convite a você, leitxr, que se ajunte também nessa caminhada, e que essa presença, mesmo que um pouco, faça da contenção menos um isolamento.]


Irmãos de Sangue, Companhia Dos à Deux


Tenho plena consciência, que, ao assistir a filmagem de Irmãos de Sangue, não vejo a coisa real. A distância à tela, por ser distância a eles, é, também, distância de mim a mim mesmo, conquanto não posso me reconhecer na materialidade dos intérpretes, nem nos objetos, nem no lugar, nem na sensação que eles me trazem. Seria, assim, impossível assistir a peça sem sua existência- no entanto, por sua força a obra inverte esse solipsismo de dúvida cartesiana, com suas evocativas imagens que atravessam a alma, e dialogam com o reino da memória,a arrancando-lhe lembranças, gritos, suspiros, a violência pura ou cristalizada em beleza.


Marca dos trabalhos do grupo Dos à Deaux, Irmãos de Sangue é um espetáculo construído sobre o ilusionismo. O palco é um espaço continuamente esculpido, e os objetos da cena estão sempre a denunciar sua falsidade, mudando de função, sentido e história conforme o jogo cênico. Outra marca, também registro particular do grupo, é a centralidade do corpo enquanto objeto cênico, e enquanto figura fundamental para compor aquelas fotografias que definem a imagem da peça. Por um lado, o movimento corporal é pensado enquanto condutor da narrativa da peça, funcionando como elo que une os diferentes estados. Por outro, a vida da peça, a chama que faz com que o movimento que se desenrola no palco provoque, também, um movimento interno no espectador, nasce da precisão, da beleza e da intensidade dos gestos corporais, expressivos tanto na minúcia quanto na apoteose, que animam as coreografias cuidadosamente elaboradas. Esses gestos, que exigem uma força física tremenda para seu controle, conferem à peça sua força espiritual. O que se encontra diante de nós não é a aparição fantasmagórica, mas a parte de nós mesmos, vibrante, pulsante- aquela que tanto morreu quanto sofre luto por si.


Pode se enxergar em Irmãos de Sangue a despedida a um eu anterior. O luto, afinal, não deixa de sê-lo. Chorando, me despeço também de mim, que amei aquela pessoa viva, tão presente quanto eu. Só com ela vivi certas coisas, só por ela vivi outras, e só com e por ela vivem e viverão em mim certas lembranças, ou outras. Me despeço do jeito de amá-la, também único, e irrepetível.


Mas se trata, essencialmente, de uma peça sobre o outro. Num espetáculo em que ele é constantemente destruído, da proximidade dos irmãos quase univitelinos à distância do irmão rejeitado, da ruína da família retida no quadro à rachadura no silêncio pelo coro que lamenta a morte, é ainda assim só nele que está a possibilidade de mim mesmo. É dele que nasce o novo, e se dele persiste essa maldição, pesada corrente que é a memória, é porque nele também esteve a vida, tão ignorada quanto fosse.


Se trata, essencialmente, de um espetáculo sobre o outro. Esse ponto final poderia encerrar o texto, da mesma forma que encerra a peça.





Irmãos de Sangue, Companhia Dos à Deux

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