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Ensaios Estilhaçados

\\ TERCEIRO SINAL

Acabaram, infelizmente, as certezas que eu tinha para essa semana. Mas sobraram algumas indefinições, e por enquanto vão caminhando bem...

Por Bruno Pernambuco


O escritor José Saramago (Foto: Casamundi Cultura).

- Eu ando como sempre. Meio gelado, meio frio. O coração anda miúdo, com uma pena muito grande de existir.


- Não, a bem da verdade, agora que você falou… nada muito de novo, eu acho. Nada que fuja tanto daquela vidinha de sempre.


- Nunca dê palavras aos deuses. Sempre, meu caro, é com elas que se é devorado.


- Não esquece de olhar bem as verduras, hein? Se tiver um tomate bem maduro, pode trazer também...


- A infecção é num lugar íntimo, você me diz? Há quanto tempo apareceram os sinais?


- Tem certo potencial esse texto, mas algumas coisas precisam mudar. Se livre desses parágrafos compridos, em primeiro lugar.


- Sim, sim, pediu sim. Sim, pelo amor de deus, sim.


- Acabaram, infelizmente, as certezas que eu tinha para essa semana. Mas sobraram algumas indefinições, e por enquanto vão caminhando bem...


Os conselhos não vinham exatamente de nenhum lugar preciso. Não eram as mesmas vozes que diziam a mesma coisa - o coração é uma torre que intercepta todos os telefones. E eu não posso viver como se dentro de mim não existisse alguma coisa, que não sei se é uma criatura se debatendo, se é uma revolta, se é um gosto frio, se é um ódio irrefreável, se é a minha condenação à solitária, se é o sumiço das canetas aqui de casa, se é motivo para roer as unhas, se é aquela tarde num enigma cor de laranja, se é uma lembrança ou o seu fim. Mas sim, de tudo isso, talvez eu possa dizer que captei alguma coisa. Percebi uma emoção azul, brotava de uma flor estrangeira. Percebi grandes dramaturgias surgindo das pequenas coisas. Percebi um livro se fechando. Percebi um toque sutil que a pele aprendeu imediatamente, e ainda mais percebi um que ficou separado. Percebi uma contradição. Percebi um buraco de noite, belo, sem qualquer barulho de escrita. Percebi a lucidez não como uma coisa única, mas como uma que refrata-se, espelha-se, penetra um pouco em cada direção.


- É como a poesia aos olhos de Schlegel, simplesmente. Só uma crítica divinatória para lhe dizer o ideal.

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