\\ ARTE
Mostra foca nas perspectivas de pintores baseados em São Paulo
Por Arturo Silva, colaboração para Frentes Versos*
A vida sem arte não há sentido. A célebre frase do poeta maior Fernando Pessoa, dita por outro poeta, Ferreira Gullar, que completaria 90 anos agora em setembro, é um lugar-comum que reverbera em incontáveis manifestações artísticas. Do pop ao erudito, este mote atravessou séculos além-mar, caindo como luva para as mãos agitadas da revolta artística. Principalmente quando o panorama político, os momentos culturais e a sociedade vivem em descompasso.
Revolta? Talvez. Mas não soa imperativo. Pelo contrário. O lema do poeta português é uma espécie de placebo hoje. Um golpe de frase pronto. Consta-se, inclusive, que há sim celebração. Há vida. É o que propôs o curador da exposição virtual Nine out of Ten, Ricardo Sardenberg, que convidou nove artistas para exporem obras guiadas pela mística da faixa homônima cantada por Caetano Veloso em 1970, enquanto estava ele exilado na Inglaterra.
O descompasso talvez seja a marca maior que, logo de cara, o espectador vai notar. As coisas estão fora do lugar, o que é perfeitamente cabível para o momento em que a sociedade se encontra. Na lógica da pandemia, quando o próprio tempo se encontra alterado, galeristas e marchands tiveram tempo o suficiente para organizar suas coleções e atentar a vista para novos projetos, dignos de oxigenação — mas em espaços virtuais. Hoje, há um fortíssimo movimento encabeçado por galerias renomadas, como a Bergamin & Gomide, ou o próprio Museu de Arte Moderna, que abriu uma individual de Antonio Dias, virtualmente.
Na mostra de Sardenberg, os encontros em meio ao descompasso do tempo se transformam em casuais passeios por vitrines dissonantes, mas que têm em comum trunfos. Fisgar os olhos do leitor, conduzi-los à catarse do mote de Pessoa “A arte existe porque a vida não basta". Artistas em varias fases da carreira, de estreantes a nomes conhecidos, eles fazem ode à vida. Cada qual a sua maneira de celebrar. Não é sempre que a vida é uma festa. Mas sendo, é justo que as festas não sejam completamente felizes. Ou completamente tristes.
Os jovens artistas roubam a cena. De início, deparamo-nos com as pinturas lúdicas e surrealistas de Adriana Coppio ( figura que teve presença na galeria Orlando Lemos) a estreantes como a artista Olga Carolina, que constrói um alter ego mascarado, ao mesmo tempo que recheia suas pinturas nonsenses com tons ocre, pálidos, colocando-se em transe em uma espécie de cenário montado (como um ser), com uma traço rouge na ribalta.
O feminino se impõe, mesmo na obra do pintor Luiz Queiroz, em composições arrojadas — talvez seja o mais imperativo dos trabalhos da seleção, com influências do heavy metal e das ondas acústicas — aos retratos policromáticos de Paula Scavazzini. Para celebração da mostra, que segue virtualmente na plataforma mantida pela Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel, recomenda-se ir além de qualquer mote ou fórmula pronta, são nove artistas diferentes que, sob Vênus, o planeta do amor, expõem um pouco de afago em meio a tanto caos.
(Acesse a mostra completa aqui)
*Na primeira versão deste texto o nome da galeria Bergamin & Gomide foi grafado incorretamente. A correção foi feita em 30/08/2020 às 18:55
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