\\ ARTE
A curadora Ana Maria Maia escolheu cinco vídeos do acervo que ficam disponíveis até agosto
Por Matheus Lopes Quirino
Indiferença na régua. Detalhe do vídeo de Cao Guimarães (Belo Horizonte, 1965)Da janela do meu quarto. Pigmento/reprodução
A pinacoteca já teve dias melhores. Antes da pandemia de coronavírus fechar as portas de todos os museus mundo afora, a instituição paulista no bairro da Luz recebia por dia dezenas de visitantes, vindos de vários cantos do estado de São Paulo,do Brasil, com gringos e turistas tirando selfies com as pinturas e esculturas que se espalham nas galerias pelos andares de tijolinhos de barro.
Com exposições de sucesso, como a da artista Hilma Klint, pintora que teve obra prolífica, em experimentos com o cubismo e aquarelas florais em uma intensa relação com o místico, em 2018, às esculturas ultrarrealistas do australiano Ron Mueck,em 2014. a Pinacoteca teve bilheteria de sucesso e longas filas que se estendiam pelas calçadas do Parque da Luz, em frente à estação homônima, nesse bairro castigado pela administração pública, a poucos metros da Cracolândia.
Em meio à barbárie da parte menos cool da zona central de São Paulo -- há poucos metros da Estação Pinacoteca também está o Memorial da Resistência, prédio do antigo DOPS, QG de tortura no regime militar --, não adiante jogar para baixo do tapete o mundo que cerca um museu que, no olho do furação, vem se reinventando. As lembranças ficam e hoje há milhares de registros nas redes sociais.
A Pinacoteca do Estado de S.Paulo - Commons
O que talvez nenhuma curadoria contasse seria esse momento, em que as exposições virtuais parecem ser a única alternativa possível para colocar luz ao que é guardado por trás de seus portões. Elas foram obrigadas a arregaçar as mangas, de casa, passar álcool em gel e trilhar novos planos. Daí nasceu Distância, primeira exposição de vídeos e filmes pensada especialmente para os meios digitais.Além do acervo que fica disponível, Distância nasce para ser apreciada pelo público durante este período de confinamento social. É a primeira vez que o museu realiza uma mostra apenas online.
"Apesar de distintos em tantos aspectos, esses filmes e vídeos têm em comum o ponto de vista de sujeitos por alguma razão apartados de uma sociabilidade imediata.", reflete a curadora da mostra Ana Maria Maia, que participará de lives da instituição. Colocando em pauta a questão do isolamento e seus efeitos colaterais, a mostra selecionou cinco obras de diferentes países que tangem essa temática.
Detalhe do vídeo 9493
Realizada na Islândia, a gravação de 9493, de Marcellvs L mostra uma barraca de camping aparentemente inabalável às forças da natureza. Dentro dela, há um rapaz que joga vídeo game completamente absorto, como se o vento forte fosse apenas uma brisa que não incomoda num dia quente de verão. E claro, seu deserto é um console.
Essa indiferença é abordada em outras obras, não propriamente sentimental, como em 9493, mas na questão social. Em Da Janela do Meu Quarto, de Cao Guimarães, um pequeno filme acompanha do alto duas crianças duelando, mas também brincando. Chove e elas estão mal vestidas, sem camisa, em um lugar sujo e precário, desprotegidas de um trovão ou Leptospirose. A indiferença é a luta pela sobrevivência dos dois que, apesar da cena triste em que se golpeam, uma alegria inocente inunda o espectador que vai mais além, como se naqueles movimentos de brincadeira ainda existisse alguma esperança.
Eles estão sozinhos, como muitos que vagam pelos arredores da estação da Luz. Já nos vídeos Tarefa I, de Letícia Aparente, e O batedor de bolsa, de Dalton Paula, é abordada a questão étnica. No primeiro: o constrangimento, quando uma doméstica se vê obrigada a passar a camisa do patrão -- nele. A segunda situação é batidíssima ao provocar com uma bolsa como saco de pancadas. A cor da pele de quem bate a bolsa, mas poderia ser a carteira, é o centro da discussão, pois simboliza toda uma crítica ao racismo estrutural que imprime máculas a negros, ainda no século XXI.
O último vídeo é o mais curioso. A banda dos sete de Sara Ramo, acompanha uma banda de pífano repetitiva, dando voltas por uma estrutura cinza no meio do sertão. Cômicos, eles brincam com os instrumentos mas se mantém no curto trajeto. Eles seguem um caminho circular, voltam ao mesmo lugar, com o mesmo ritmo. Às voltas, não há interações transloucadas, questiona-se por que continuam a marchar musicalmente. Mas pouco muda ao longo dos vinte e três minutos de performance. E segue a banda.
Serviço:
Distância: uma seleção de vídeos e filmes do acervo da Pinacoteca
De 12.05.2020 a 03.08.2020
A partir das 18h exclusivamente pelo site
Curadoria: Ana Maria Maia
Trabalhos:
Cao Guimarães (Belo Horizonte, 1965)
Da janela do meu quarto / From the Window of My Room, 2002
Filme Super-8. Estéreo.
Duração: 5’10”
Trilha sonora: O Grivo
Doação dos Patronos da Arte Contemporânea da Pinacoteca do Estado de São Paulo 2015, por intermédio da Associação Pinacoteca Arte e Cultura – APAC, 2017
Marcellvs L (Belo Horizonte, 1980. Vive entre Berlim, Alemanha e Seyðisfjörður, Islândia) 9493, 2011 Videoinstalação com vídeo digital. Estéreo. Duração: 11’16” Doação do Iguatemi São Paulo, por intermédio da Associação Pinacoteca Arte e Cultura - APAC, 2019
Sara Ramo (Madri, 1975. Vive em São Paulo)
A banda dos sete, 2010
Vídeo digital. Estéreo. Trilha sonora: Ivan Canteli. Duração: 21’29”
Leticia Parente (Salvador, 1930 – Rio de Janeiro, 1991)
Tarefa I, 1982
Vídeo. Duração: 1’56” Aquisição pelo programa de Patronos da Pinacoteca de São Paulo, 2018
Dalton Paula (Brasília, 1982. Vive em Goiânia)
O batedor de bolsa, 2011
Vídeo digital para dois canais. Duração: 1’30” Doação de Carolina Holzer
No sábado (16), às 11h, a conta da Pina no Instagram (@pinacotecasp) realiza uma live com Ana Maria Maia.Todas as ações estão alinhadas com a inciativa #culturaemcasa daSecretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo.
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