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Androginia, fetichização, cultura gay e estereótipos são temas explorados pelos artistas plásticos visuais
Por Matheus Lopes Quirino
Imagem/divulgação
“O expectador se vê obrigado a entregar-se à apreciação da obra de arte sem qualquer garantia de destino, viajando com apenas uma convicção: que o objetivo é a própria viagem”, assim definiu o escritor e filósofo Roland Barthes (1915 – 1980) sobre as imagens construídas a quatro mãos pela dupla francesa formada pelo fotógrafo Pierre Commoy e o pintor Gilles Blanchard.
Em atividade constante, a dupla polemizou Paris ao ousar em editoriais mais modernos, atrelados a todo um conceito novo de arte, encabeçada por artistas pop norte-americanos como Andy Warhol (1928 – 1987) a escritores do calibre de Julio Verne (1828 – 1905). Pierre e Gilles forjaram um conceito que misturam elementos variados de épocas distintas com um ponto em comum: a erotização.
Tendo como norte construir uma narrativa, em Sailors & Sea (Marinheiros e o Mar), publicado pela Taschen em 2004, os dois artistas juntam no livro composições que trafegam entre o lúdico e o profano, fazendo alusões à cultura pop dos anos 1980, 1990 e 2000, aos clássicos cânones do Renascimento e da literatura, quase sempre pautados pelo homoerotismo.
O mar é o palco do trabalho. Fora dele, no estúdio em Paris, a dupla guiou-se pelos tons de azul que acompanham e contornam as montagens que fazem releituras de obras como O Nascimento de Vênus, recriada a partir do corpo da modelo Laetitia Casta, envolvida e coberta por uma espécie de arco de estrelas do mar semitransparentes.
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Da representação de uma opulenta Maria, vestida de adornos dourados, a um Jean-Paul Gaultier plastificado envolvido em margaridas, Sailors & Sea revela uma série de homens e mulheres com brilho não natural – uma marca registrada da fase da dupla em trabalhos de meados para o final da década de 1990.
Sailors & Sea é um trabalho extenso e repleto de surpresas. O espectador encontra na reunião da blasfêmia (como em Le marin au bûcher, Saint François Xavier, Saint André, entre outros), que reconstrói cenas religiosas com base no homoerótico, a cliques espontâneos de singela beleza, como quando se vê a camuflagem natural em Parfum de Femme (2002). Uma mulher tatuada disputando espaço com o papel de parede… tatuado!
Náufragos
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Na série Naufragés, datada de 1986, vê-se retratos de jovens meninos entorpecidos pela ressaca do mar; corpos bronzeados e cabelos bagunçados estão em evidência, realçados ao meio dos escombros encontrados em meio à paisagem do chão de uma praia de elementos não naturais soltados pelo mar, como linhas, cordas, plásticos, os próprios meninos. Todos em azul, expostos ao sol.
A reunião de trabalhos contempla diferentes pontos de vista acerca da sailor culture (cultura dos marinheiros, em tradução livre), que provoca o imaginário do homem que vê em marinheiros, devidamente fardados e adornados, uma fantasia. Artística ou sexual, a impressão habita o imaginário da cultura gay há décadas.
Ícones pop
Em atividade desde os anos 1970, Pierre et Gilles tornou-se um conceito. A marca apoia-se à fusão bem-sucedida da dupla que busca misturar experimentações plásticas com visuais. Requintado nas artes visuais, sobretudo por se distanciar do academicismo e do tradicionalismo tido nas Escolas de arte francesas, por aderirem às influências de ícones da cultura pop americana, enquadramentos ousados e composições não-cânones, escandalizando o santo graal dos marchands franceses, Pierre et Gilles fotografaram Catherine Deneuve, Dita Von Teese, Kylie Minogue e Marilyn Manson.
Artistas de maior expressão na cultura gay francesa, em Sailor & Sea eles remontaram o fetiche em náufragos, marinheiros e trabalhadores do mar que têm sua virilidade desconstruída pelas propostas sensuais das pinturas e dos trabalhos. Em diálogo também com a plastic culture, os artistas alfinetam estereótipos gays como se vê em Les Deux poupées, de 1985, dois bonecos Ken friccionados em alto mar.
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