História acompanha estranha obsessão do narrador por lendas familiares ligadas ao vulcão do Vesúvio.
Por Laura Pilan, colaboração para Frente & Versos
Em “O Impostor”, romance de Edgard Telles Ribeiro, não há certezas. Aqui, a única máxima é a da não-linearidade – advertência que nos é dada, de modo muito sutil,através da epígrafe retirada de Murilo Mendes: “Que saudade do futuro”. Trata-se da apresentação de uma confusão entre as linhas temporais que nunca é abandonada ou esquecida, mas que se torna familiar. Acolhe-se a estranheza como faz o protagonista e, subitamente, o desvario transforma-se em um dos pontos mais interessantes e inovadores da obra, de modo que o conteúdo altera e reflete profundamente na forma.
O personagem principal – que jamais é nomeado – apresenta sua ida à Nápoles como algo tão ordinário que nos obriga a questioná-lo sobre a relevância do relato. A complexidade da busca pelo Vesúvio está embaralhada entre as inúmeras perspectivas da realidade. As possibilidades do real são inúmeras e o narrador ocupa-se de negá-las e agarrá-las em igual proporção: ele não sabe quais de suas memórias são verídicas e nós também não.
O protagonista é um tradutor e parte deste ofício consiste na adaptação e reconstrução de uma narrativa para outro código – trata-se da reescrita de uma realidade criada por um outro alguém. É utilizando-se dessas habilidades de criador que há o encadeamento de sonhos, pesadelos e lembranças do que ainda não aconteceu. Desta maneira, há um enredo que é, paradoxalmente, rico em suas lacunas e ausências.
O que move a narrativa é a tentativa da descoberta. Nem o protagonista nem o leitor estão sozinhos no objetivo de desvendar as incógnitas: há diversas visitas a um psiquiatra – que produzem apenas mais perguntas – e, principalmente, conversas com Felipe – o jovem neto que é suficientemente curioso e ágil para levar as imprecisões e incertezas do avô a sério.
Edgard Telles Ribeiro nos conduz pelo percurso tortuoso da investigação de um mistério – afinal, por que o tio-avô de nosso protagonista teria ido ao Vesúvio? O enigma culmina, inesperadamente, em questionamentos indecifráveis sobre a natureza do tempo. A dilatação deste elemento fundamental da narrativa obriga o leitor a esquecer de suas noções espaciais e cronológicas e, acima de tudo, a deixar para trás as convicções acerca do ser, estar e existir. Os conceitos são fluidos, flexíveis, interpelam-se e confundem-se, até que compreendemos as razões pelas quais o romance é denominado “O Impostor”.
É possível que o maior desafio do romance seja àquele que o conteúdo inflige à forma, uma vez que exige que a palavra receba um tratamento especial para lidar com o peso – simultaneamente opressor e engrandecedor – da filosofia e das dúvidas existenciais que o romance contempla. Ultrapassar esse obstáculo é, acima de tudo, inspirador e revolucionário para a literatura contemporânea. O triunfo do autor é concretizado por uma comparação entre o primeiro e o último capítulo: Edgard Telles Ribeiro encerra a jornada de forma magistral e cria um enredo infinito – a história não deixa de crescer após o último ponto final e é justamente isso que a torna memorável.
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TÍTULO: O impostor
AUTOR: Edgar Telles Ribeiro
EDITORA: Todavia
ANO: 2020
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