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Contestadora, Angélica Freitas toca questões que atormentam nossos tempos em novo livro

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Um verdadeiro desfile animalesco arrebata as páginas de Canções de atormentar. O safári poético traduz a força dos versos contestadores de Angélica Freitas.

Por Giovana Proença


A autora Angélica Freitas (Imagem: Reprodução/ b_arco).

A poesia de Angélica Freitas é uma sonora contestação em versos. Autora de Rilke shake e do célebre Um útero é do tamanho de um punho, Angélica repete o caráter questionador de suas obras em Canções de atormentar, novo livro lançado pela Companhia das Letras. Transitando entre o privado e o público, Angélica compõe um caleidoscópio temático: as origens e a infância no Sul, a política em tempos de barbárie, as referências animalescas e a relação com o feminino – aproximando-se da fórmula de Um útero é do tamanho de um punho.  O olhar aguçado de um eu-lírico, essencialmente feminino, atravessa as matérias poéticas múltiplas de Canções de atormentar. 


Poema de abertura do livro, “laranjal” resvala nas origens, na ancestralidade e na infância, de modo que a primazia do poema não é apenas sequencial dentro da estrutura poética, mas também em questões da tenra vivência. Na rememoração do pé de araçá - do tupi, “planta que tem olhos”, significativa é a etimologia do termo, uma vez que as lembranças são construídas em imagens vívidas que remetem a uma observação atenta. O movimento de construção e desconstrução, na edificação da casa e nas mortes dos entes, se assemelham aos ecos dos versos de infância de Manuel Bandeira. 


A desconstrução da linguagem, com experimentações líricas de sonoridade e sentido – pois som e significado estão intrinsecamente ligados na poética de Angélica Freitas – como a manipulação de vogais, o uso de línguas estrangeiras e as assonâncias, em brincadeiras rítmicas; nos remetem à linguagem e ao lirismo característica dos primeiros poetas modernistas: som e verso traduzem as ironias e ambiguidades da poeta, com doses do elemento magistral, o humor ferino.


Um verdadeiro desfile animalesco arrebata as páginas de Canções de atormentar. O safári poético traduz a força dos versos contestadores de Angélica Freitas. Ferina, ácida e incisiva; o eu lírico feminino destila palavras de caça às contradições de nosso tempo. A animalização se faz presente no teor político dos poemas, no questionamento da nação em conflito. “porto alegre, 2016” dosa a violência assistida na TV e a violência que escorre próxima. Os valores não fogem à crítica da poeta, o ato de estar parada é repreendido pelo capitalismo em “algum café em rosário”. Tempo é dinheiro, parece negar Angélica.


A relação com o feminino, mote de Um útero é do tamanho de um punho, é assinalado em Canções de atormentar,  em ataque direto às opressões. A poeta se apropria do termo ‘poetisa’, usado para diminuir as obras poéticas femininas, discute os padrões de beleza, as relações sexuais e homoafetivas; em poemas como “você não sabe o que é uma teta caída” e “a sônia,”. Além disso, em sua incursão poética Angélica Freitas homenageia Ana Cristina Cesar, e na série de poemas que nomeia o livro, em parceria com Juliana Perdigão, define a força na figura da sereia e suas canções de atormentar. 


“Explicar o brasil a um extraterrestre:”, diz o verso inicial de “micro-ondas”. É o que Angélica Freitas potencializa como resposta na poética de Canções de atormentar. Os conflitos da política, ações animalizadas, o questionamento de valores dentro da sociedade de consumo, o papel feminino e suas opressões, as origens: nada escapa ao olhar atento de uma ‘eu-poética’ ferina. Angélica Freitas dosa a sonoridade lírica expressiva e a ironia afiada. O resultado são poemas de atormentar a consciência, em meio aos nosso tempo - no mínimo - questionável. 


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TÍTULO: Canções de atormentar

AUTOR: Angélica Freitas

EDITORA: Companhia das Letras

ANO: 2020


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