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Neste aniversário póstumo, Antologia de crônicas do escritor mineiro chegam em momento oportuno
Por Matheus Lopes Quirino
“Não faça biscoitos, Fernando, faça pirâmides”, disse o escritor Guimarães Rosa (1908 – 1967), em várias ocasiões, ao amigo e colega, Fernando Sabino, que já era cronista na imprensa carioca. Escritor monumental, o autor do romance O Grande Mentecapto (1979) volta às prateleiras em nova edição, na antologia de crônicas No Fim Dá Certo, título que calha com o atual momento de incertezas devido à pandemia do novo Coronavírus.
Após 16 anos de sua morte, ocorrida em outubro de 2004, o escritor, mineiro de Belo Horizonte, carimba nas crônicas de No Fim Dá Certo o bom humor e as sacadas características de sua prosa ágil, popular e repleta de referências a detalhes do cotidiano – que não passam despercebidos pelo olhar de cronista – a temas eruditos (Sabino era um leitor voraz, consumidor de cultura finíssima). Popular, o autor de “Martini Seco”, que completou 20 anos neste ano, defende um mote digno para encorajar leitores avoados, mas otimistas: “Se ainda não deu, é porque não chegou ao fim”.
Já na primeira crônica do livro, Sabino conta de uma paixão mineira (embora tenha chegado em um pote de vidro de São Paulo), que é um doce caseiro de coco. Salivando enquanto desembrulhava o pote de vidro, do “delicioso e inefável doce de coco”, ele conta uma curiosidade saborosa: o doce de coco da família Buarque de Holanda, pelas mãos de Maria Amélia, mulher do antropólogo Sérgio Buarque de Holanda e mãe do cantor e compositor Chico Buarque.
Crônicas queridíssimas do público estão reunidas cá, como em “É perigoso viver”, que não deixa de ser um alerta válido para as aventuras do cotidiano, ou a nostálgica “Elas por elas”. Mas respondendo a Guimarães Rosa, a respeito da crônica – gênero que o autor de Grande Sertão: Veredas (1956) considerava ‘biscoito’ (algo menor, com prazo de validade) –, Sabino, sempre bem-humorado, defendia-se alegando que eram aqueles biscoitos que pagavam seu aluguel. Jornalista, escritor, baterista amador, Fernando Sabino experimentou de tudo um pouco. Foi dono de cartório, nadador premiado do Minas Tênis Clube, sendo ele dono do recorde de 400m livres de costas, conquistado em 1939.
Autor do romance de formação O Encontro Marcado (1956), que em 2018 chegou à centésima edição, Sabino escreveu mais de 40 livros, dos quais seu Encontro é livro de cabeceira para gerações de aspirantes à escrita – a obra narra o percurso de um jovem afim de se tornar um escritor.
Assim como o protagonista do Encontro, Eduardo Marciano, Sabino começou cedo no ofício. Ele publicou o primeiro conto aos 12 anos, no ginásio. Uma história policial, publicada na extinta Revista Argus, periódico da polícia de Minas Gerais – que, equivocadamente, creditou o texto a Fernando Tavares “Sobrinho”. A partir daí não parou mais, tornou-se colaborador da imprensa mineira, escrevendo críticas, crônicas e histórias. Em 1941, ele lançou seu primeiro livro de contos, Os Grilos Não Cantam Mais – edição bancada pelo pai, pois ano antes Sabino havia ingressado no curso de Direito.
“O Fernando mandou o livro ao Mário [de Andrade], que foi muito bem recebido. Daí nasceu uma bela correspondência entre os escritores, uma relação aprendiz-mestre, reunida mais tarde no livro Cartas a Um Jovem Escritor e Suas Respostas, de 2003”, contou o autor de Desatino da Rapaziada: jornalistas e escritores de Minas Gerais (1992), Humberto Werneck.
“Ele era um escritor profissional, um verdadeiro amante das palavras, tinha gosto por gramática e etimologia, estudou com afinco português; das vezes que estive com ou entrevistei o Fernando, notei que ele também era um sujeito extremamente organizado, tudo era rigorosamente muito bem-disposto, gabava-se de achar um texto em 40 segundos, tinha gosto por remexer nos papéis e revisar os textos, fazia isso à exaustão”, lembrou Werneck, que edita o Portal da Crônica Brasileira, há 2 anos, onde estão parte das crônicas do autor.
Ladeado de Rubem Braga (1913 – 1990), Fernando Sabino foi um dos grandes cronistas do Brasil, tendo colaborado com dezenas de publicações, como o Jornal do Brasil, e O Estado de S. Paulo. Entretanto, mesmo sendo um narrador habilidoso, ele nunca negou a difícil arte de escrever, tendo sempre confessado esta façanha – da qual foi mestre – nas poucas entrevistas que concedeu em vida.
Na crônica O papel em Branco, Sabino volta a falar de escrita. “Sentei-me diante desta máquina às oito horas da noite. O relógio acaba de dar dez batidas. Estou olhando para o papel em branco exatamente há duas horas”, escreve ele em No fim Dá Certo. E ele se remoí se comparando a escritores consagrados que penavam também na escrita, como Truman Capote e Raymond Chandler.
Em seus 84 anos, o mineiro de beagá escreveu até pouco tempo antes de morrer. Sabino fez parte dos ‘ vintanistas’— grupo literário batizado por Mário de Andrade, cujos membros eram jovens mineiros na casa dos 20 anos. E lá estava ele ao lado de Otto Lara Resende (1922 – 1992), Paulo Mendes Campos (1922 – 1991) e Hélio Pellegrino (1924 – 1988) – tendo Pellegrino atribuído à turma outra alcunha, ‘Os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse’.
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TÍTULO: No fim dá certo
AUTOR: Fernando Sabino
EDITORA: Record
ANO DE EDIÇÃO: 2020
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