\\ TEATRO
Trata-se de um monólogo que reduz ao absoluto mínimo tudo aquilo que não é a luz de sua personagem principal - e, por sorte, há gente que não foge ao desafio.
Por Bruno Pernambuco
O encontro já perdido de pretensões, a luta que já está perdida, a incerteza com hora marcada. A comprovação e a dúvida duelando. A consciência feminina - talvez, ou talvez só qual imaginada por Strindberg (como é seu praxe, em seu melhor e seu pior). Não ficam muitas certezas em pé depois d’A Mais Forte. Tão sutil e cativante é a construção desse monólogo, apropriado com muita convicção por Clara Carvalho - esse diálogo, direto, cara a cara, que já chegaria tão profundamente se não fosse dito com nada além dos olhos. Estar presente nele é querer afundar-se profundamente ao mesmo tempo em que algo deseja uma certeza macia, sem erros, sem linguagem, sem contradição.
A história reduzida aos seus elementos especiais, muitas vezes, é a que mais diz. Aqui também é o caso: boneca, espingarda de rolha e pantufas falam todo o necessário a respeito da vida do casal. Esses objetos mínimos, e as falas curtas, com o canto da boca, dizem muito. É um lindo exercício de composição, de como são os menores bibelôs, as situações mais simples, mais esquecidas, que acordam a intensidade do sentimento. Trata-se de um monólogo que reduz ao absoluto mínimo tudo aquilo que não é a luz de sua personagem principal - e, por sorte, há gente que não foge ao desafio.
É tremendamente profundo, tocante, sentir-se encarado por Madame X, a observar o seu duplo, mas existe uma certa distância em tudo isso. As mudanças históricas, a visita que transformou os costumes, os pensamentos, as relações, torna algo difícil acreditar na vida de casal e na banalidade da vida; é difícil acreditar exatamente nesse ódio, nesse amor, tão empoeirados, que realmente parecem mais uns artefatos antigos, meio sem lugar, deixados de lado. Nada, exatamente, deixa de ser verdadeiro, mas… é difícil enxergar Madame X ao nosso lado, como uma conhecida nossa - como ela seria de seu público original. Nós, nossa cabeça pós-moderna, que tanto lê e tanto sabe, temos uma dúvida a nos acompanhar. Parece que o texto perde sua força de confissão - a qual, a bem da verdade, talvez nunca realmente tenha tido, a não ser como confissão do dramaturgo, colocando suas palavras na boca da esposa piedosa. Mesmo assim, essa mulher bem comportada nunca é completamente rebaixada, nem deixa de mostrar a sua esperteza… É bem melhor, acredito, ficar com o incômodo que a personagem deixa que querer tirar sua força.
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(Assista A Mais Forte, monólogo de August Strindberg encenado por Clara Carvalho, aqui)
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