\\ ARTE
a vulnerabilidade proposta em seus trabalhos desconstrói todo esquema de virilidade que seu corpo dá ideia
Por Matheus Lopes Quirino com fotos de Ciro MacCord, Especial para Frentes Versos
Para alguns, expor-se ao mundo nu é um fardo. A construção moral do cristianismo que baseia a educação familiar condena a exposição do corpo, colocando o prazer – acoplado a um teor misterioso do próprio sexo – sob olhos cerrados de uma inquisição moderna – esta, protagonizada por agentes pró moral e bons costumes. Com a guinada conservadora, viu-se uma séria de tentativas intervencionistas na arte, seu estopim foi o cerco no Queermuseum, cujas obras eram belicosas e afrontosas à moral cristã.
Um dos países que mais acessa conteúdos pornográficos, segundo levantamentos fornecidos pelo próprio Pornhub, o Brasil prefere de toda oferta o conteúdo transexual, ao mesmo tempo que condena. Em altas palavras e entonação característica da era Bolsonariana, “ideologia de gênero”. Esquizofrenia, antes fosse exclusividade do país, no entanto, é assunto antigo, pois esta cruzada moral é travada ao longo dos séculos na história da arte.
O nu ganha holofotes por onde passa. Da Origem do Mundo, pintura de Coubert cujo realismo traçado a óleo causou furor nos salões da alta sociedade francesa no século XIX às vaias dos quatrocentões de São Paulo por causa da escultura do Beijo em frente ao Largo de São Francisco, o discurso pouco muda, a poeira só se acumula.
Quanto à fotografia, artistas costumam expor a seus nichos. No caso da foto artística e erótica, os trabalhos femininos ganham notabilidade maior. A mulher é centralizada como objeto de desejo e, ao longo da história da imprensa, foi a Playboy – que deixa de existir em formato impresso a partir de abril, nos EUA – a publicação que mais se afamou nesses moldes.
O lado B deste cenário está na fotografia homoerótica, cujos artistas, historicamente rechaçados pelo mesmo cerco judaico-cristão homofóbico, passam a fotografar homens em cenas viris. Vê-se inúmeros exemplos em acervos virtuais, homens enviados à guerra, soldados, marinheiros, cowboys, mecânicos, bombeiros – entre outras fantasias que se tornaram fetiche na cultura gay.
A ideia do homem viril vem desde a época das luzes na Europa, quando ainda não havia guerra, marinheiros ou bombeiros. Os afrescos de santos carregavam traços verossímeis ao corpo, pinturas de Caravaggio e Da Vinci perseguem esta perfeição, estando a escultura Davi como centro do mundo, com os holofotes em si.
Desconstruir a figura do corpo sacro muitas vezes pode soar agressivo ou dissonante. No cânone, conforme os anos correram, os mesmos homens viris se mantiveram em evidência, fosse nas artes plásticas, na fotografia, na publicidade.
Por em xeque esse padrão do corpo sacro-estátua é um feito moderno. Em seus retratos, o fotógrafo Ciro MacCord se amarra com cordas e fica à mercê de arames. Colocando suas formas sob a incerteza dessas amarras mundanas, apela ao contorcionismo, o corpo é dessacralizado e sua beleza se torna terrena.
Com jogos de luzes arroxeadas, amareladas e vermelhas, ele se distância do cânone azul, plácido, clamo. Arrojado, verte ao profano, buliçoso, quente, remetendo seu jogo de sombras ao Eros. Logo, a estética áurea, o jogo de luz certinho, a luz uniforme caem. Em suas performances, MacCord explora cores quentes, associadas ao mistério, como o roxo e o magenta.
Amordaçado, em posição fetal, a vulnerabilidade proposta em seus trabalhos desconstrói todo esquema de virilidade que seu corpo dá ideia. Fazendo força para se soltar de um laço, ou olhando assustado para o além, as performances criam uma atmosfera sensual, entretanto, sem apelos. Passível de erros, alguns trabalhos dão a impressão de que, a qualquer momento, alguém entraria em seu estúdio para questionar aquela silenciosa algazarra e provavelmente não seria nenhum cânone da pintura ou um São João Batista.
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