\\ CINEMA
Autor recria protagonista consagrado, com devidos reparos crônicos. Encantador, filme é nostálgico e esbanja humor e trilha sonora impecáveis
Por Affonso Duprat
'A Rainy Day in New York' de Woody Allen (2019)
Tudo foi meticulosamente planejado pelo jovem Gatsby (Timothée Chalamet) para que a curta temporada de alguns dias em Manhattan, ao lado da namorada Ashleight (Elle Fanning), fosse perfeita. Ele pensou num conjunto apaixonante; almoço no Daniel’s, seguido de caminhadas cinematográficas nas imediações do MoMa, terminando o roteiro em um ninho de amor numa king size vintage, típica do elegante Carlyle Hotel.
Woody Allen apresenta ao público o longa A Rainy Day in New York, seu mais novo trabalho ambientado em uma Nova York com a alma encantadora de sempre, característica de seus filmes: a dos anos 1950. Sendo Ashleight uma total estranha ali, não é difícil para que, longe de Gatsby, a personagem de Fanning caia em apuros, cômicos, claro, deixando-se levar pela sedução e a ambição de homens mais velhos.
'A Rainy Day in New York' de Woody Allen (2019)
Estudante de jornalismo, a forasteira contracena com duas personagens sedutoras, ela tem a missão de entrevistar o diretor de cinema frustrado Rolland Polard (Liev Schreiber, mas acaba engalfinhada com o galã Diego Luna – que interpreta ele mesmo. No meio do caminho, a personagem de Fanning esbarra no produtor de Polard (Jude Law) que só a traz mais confusões. Estando fora do circuito de Gatsby, o jovem começa a revisitar seu trajeto, tento reminiscências de seu passado recente.
Allen projeta em Gatsby um protótipo de jovem vintage. Ele usa ternos da Brooks Brothers, roupas de tons marrons, ocres e xadrez, fuma cigarro na piteira, conhece os endereços antológicos do itinerário cultural da Ilha de Manhattan. Do SoHo ao bar do hotel Plaza, Gatsby reencontra conhecidos seus, trombando na irmã de uma ex-namorada, interpretada por Selena Gomez.
Ashleight dispensa Gatsby e ele segue seu caminho. Ao longo dessa estrada sentimental, o menino, um autêntico romântico new yorker, começa a ser tomado por sentimentos que reforçam sua identidade. A cidade está dentro de si. Cosmopolita e rebelde, o jovem faz faculdade no norte do estado de Nova York (junto com a namorada) e pouco se identifica com aquele mundo.
Apostador e jogados habilidoso, Gatsby contraria o espírito aristocrático que o cerca por simplesmente ser jovem, doido e rebelde. Ele ganha milhares de dólares nos jogos, assim, consegue se manter no highline, mesmo o desprezando.
O que enche o coração do menino é a música. Chalamet senta-se novamente ao piano (como o fez em Call Me By Your Name) e não só toca, como canta. Nas quase duas horas de filme, Allen mantém o senso apuradíssimo mesclando clássicos do jazz, em faixas antológicas de Erroll Garner e Allan Jay Lerner, passando também pelo imortal da ópera Rachmanioff. A Rainy Days In New York resgata com elegância a poesia da Era do Jazz nova-iorquino, desenhando um protagonista que, escrachado, seria o próprio Allen, hoje, com um Iphone no bolso.
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